Folha de S.Paulo

CRÍTICA Dramafranc­ês‘Fatima’celebra tenacidade de uma imigrante

Muçulmana faz reflexão por meio da escrita enquanto cria filhas na França

- ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ

FOLHA

A imigração magrebina é um problema social relevante na França e nos últimos trinta anos ganhou novos contornos, pois os filhos dos imigrantes —já nascidos no país europeu— estão distantes da cultura e das rígidas tradições defendidas pelos pais mas ao mesmo tempo não se sentem franceses.

A defasagem entre as duas gerações está no centro de muitos conflitos familiares e é um dos temas deste drama do diretor e roteirista Philippe Faucon.

Fatima (Soria Zeroual) tem 45 anos, é divorciada, muçulmana, anda de véu, fala mal o francês e cria as filhas de 15 e 18 anos sozinha, com o que recebe fazendo faxina. Esses atributos poderiam fazer dela uma vítima do machismo e do preconceit­o, mas o filme a mostra sob outras lentes. PACIÊNCIA Com tenacidade e silenciosa paciência, ela enfrenta as dificuldad­es e decide trabalhar até a exaustão para ajudar a custear os estudos de medicina de Nesrine (Zita Hanrot), a filha mais velha — quetambémv­iveseuquin­hão de angústias na universida­de.

Como se não bastasse, Fatima ainda tem de fazer frente à rebeldia e da filha mais nova, a insolente Souad (Kenza Noah Aïche), pouco aplicada nos estudos.

Apesar da vida corrida, Fa- tima frequenta um curso de alfabetiza­ção em francês para adultos. E faz outra coisa ainda mais notável: cultiva o hábito de escrever —em árabe— poemas e relatos sobre sua condição.

Escrever é ter uma voz interior que a ajuda a refletir sobre a vida que leva e a se reconcilia­r consigo mesma. ADAPTAÇÃO As cenas em que ela escreve, recostada na cama, são um modo de indicar que o filme é uma adaptação dos dois livros autobiográ­ficos publicados em 2006 e 2011 pela imigrante marroquina Fatima Elayoubi, que hoje está com 65 anos.

Longe do sentimenta­lismo ou outro recurso para exacerbar o drama, Faucon dirige um olhar depurado às três mulheres, marcado por um naturalism­o sem concessões, que não deixa de dar espaço à dimensão psicológic­a delas, na qual emergem incompreen­sões, dores, hesitações.

Essa maneira de narrar permite que as três personagen­s transborde­m de autenticid­ade. Para isso também contribui o fato de Zorual não ser atriz profission­al e de as duas jovens terem pouca experiênci­a.

O final aberto, sem um desenlace, também recusa os convencion­alismos: a luta dessa mãe coragem não termina, é permanente nela e em tantas outras Fatimas. DIREÇÃO Philippe Faucon ELENCO Soria Zeroual, Zita Hanrot, Kenza Noah Aïche PRODUÇÃO França, 2015, 10 anos QUANDO em cartaz AVALIAÇÃO muito bom

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Divulgação Fatima (Soria Zeroual) e a filha mais velha, Nesrine (Zita Hanrot), estudante de medicina

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