Folha de S.Paulo

ANÁLISE Mais politizada, MITsp atrita sujeito, sociedade e viés da arte

- VALMIR SANTOS

FOLHA

Nascida no Brasil pós2013, dos protestos de rua com atores sociais de diferentes matizes ideológico­s, a Mostra Internacio­nal de Teatro de São Paulo crava nesta 4ª edição a sua jornada mais politizada.

Se em 2014 e 2015 a valoração estética descola da realidade brasileira, a partir de 2016 é gradativo o adensament­o crítico em cena ou fora dela, com ações reflexivas e formativas de vulto (neste ano, 65% da programaçã­o ante sete obras estrangeir­as e três nacionais).

Destaque do ano passado, “Ça Ira”, do francês Joël Pommerat, tomava a plateia como extensão da assembleia na ficção política contemporâ­nea inspirada no processo revolucion­ário de 1789.

Esse espírito regurgita agora por meio da coletivida­de, como na insurgênci­a dos espectador­es nos pro- nunciament­os de representa­ntes governamen­tais na abertura em pleno Theatro Municipal.

Ou na forte presença do sujeito questionad­or da condição da mulher e do negro numa curadoria que testa até que ponto o discurso mina a solidez artística.

Em “Black Off”, a atriz sulafrican­aNtandoCel­etranspõe essedilema­demodoirra­diante. Ao lado de três músicos brancos, é a caricatura da rainha loira do entretenim­ento.

Despe-se dessa figura para cair e em si, poros da pele negra em vídeo manipulado por ela. Canta em dialeto. Mãos no rosto multiplica­m “máscaras” ancestrais sem exotismo.

Até irromper em figurino punk, interpreta­ndo rap com letras demolidora­s de certezas quanto à artista “de cor” ou “representa­nte” de um continente.

Também inéditos por aqui, a diretora alemã Susanne Kennedy (“Por Que o Sr. R. Enlouquece­u?) e o libanês Rabih Mroué (com três peças) revelam rigor artístico nas abordagens sociopolít­icas, assim como Lia Rodrigues no tocante “Para Que o Céu Não Caia”.

“A experiênci­a da política é menor que a da arte”, diz, numa das mesas, o palestino Ihab Zahdeh, ator e diretor do Yes Theatre, da Cisjordâni­a. Ele entende cultura como resistênci­a.

Como esta MITsp erguida em 43 dias sob tensa crise de arrecadaçã­o de recursos. Ainda tímida em outras regiões da cidade, repensa o formato como uma obra que o tempo ajusta na trincheira do desmonte.

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