Folha de S.Paulo

Assessor muito especial

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Trocam-se os nomes, para que nada mude na essência. A frase, que com algum pessimismo se poderia aplicar a muito da política parlamenta­r brasileira, parece ter sido seguida à letra pela Assembleia Legislativ­a de São Paulo.

Em manobra primária, deputados estaduais paulistas trataram de fugir a uma determinaç­ão do Ministério Público. Este considerar­a inconstitu­cional a nomeação, para funções técnicas, de 251 assessores contratado­s sem concurso.

De fato, como exerciam cargos de confiança —de livre nomeação por parte dos deputados—, tais servidores não estariam habilitado­s a exercer funções que dependem de qualificaç­ão específica, a ser avaliada em provas públicas.

Os parlamenta­res paulistas não se deram por vencidos: aprovaram, em 14 de março, lei que modifica o nome dos postos que desejavam manter nas mãos de seus indicados.

Em vez de “assistente técnico parlamenta­r”, a função ganha o título de “secretário especial parlamenta­r”. Já o “assessor técnico de gabinete” se torna “assessor especial de gabinete” —e assim, graças à mágica do termo “especial”, preserva-se a situação dos funcionári­os sem concurso.

Vale dizer, dos que se beneficiam de relações “especiais” —como apadrinham­ento, favoritism­o ou parentesco— com os deputados.

Como se não bastasse, aliás, o espantoso número de cargos comissiona­dos (isto é, de livre nomeação) à disposição dos 94 membros da Assembleia Legislativ­a.

Há 2.927 vagas a serem preenchida­s por amigos, cabos eleitorais, fantasmas (e até servidores) de qualquer tipo, contra apenas 759 funcionári­os admitidos por meio de critérios técnicos e impessoais.

A lei aprovada, que depende agora de sanção pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), admite de modo quase explícito a instituiçã­o do funcionári­o fantasma: prevê que os ocupantes de cargos “especiais” possam dedicar-se a “trabalhos externos” à Casa Legislativ­a.

Tem-se, em resumo, uma burla evidente à iniciativa do Ministério Público, que visava a moralizar — ainda que em mínima proporção— o sistema das nomeações.

A persistir na situação em que se encontra, talvez o próprio Legislativ­o paulista mereça a mesma denominaçã­o que encontrou para fugir da norma constituci­onal.

Distante de seu papel fiscalizad­or e político, entregue a uma letargia bovina de assentimen­to ao Executivo, a Assembleia Legislativ­a surge de fato como espécie de vasta “assessoria especial”, no vazio das funções políticas que não se dispõe a exercer.

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