Folha de S.Paulo

Nós somos a terra

Uma forma retrógrada de ver o mundo parece guiar este governo, como se nossos dirigentes ignorassem os avanços sociais e científico­s

- SONIA BONE GUAJAJARA www.folha.com.br/paineldole­itor/ saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

Em entrevista à Folha publicada no último dia 10, o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, declarou que terra não enche a barriga de ninguém. Egresso da bancada ruralista, citado pela Polícia Federal na Operação Carne Fraca, ele apenas reproduziu o pensamento de quem tem o olho na barriga e enxerga a terra apenas como commodity.

Mas, de certa forma, atirou no que viu e acertou no que não viu: para nós, povos tradiciona­is, a terra serve, antes de tudo, para alimentar nosso espírito e nossa identidade.

Nós somos a terra. Somos indissociá­veis dela. Não queremos terra para gerar lucro, mas para garantir a nossa existência.

“O que acho é que vamos lá ver onde estão os indígenas, vamos dar boas condições de vida para eles, vamos parar com essa discussão sobre terras”, disse ainda Serraglio.

O que ele julga serem “boas condições de vida” para o índio? Nessa afirmação, o ministro revela, em pleno século 21, um pensamento etnocêntri­co e paternalis­ta.

Uma forma retrógrada de ver o mundo parece guiar este governo, como se nossos dirigentes ignorassem os avanços sociais e científico­s que mudaram o planeta desde os anos 1960.

Quando era congressis­ta, o ministro da Justiça foi relator da PEC 215, que transfere do Executivo para o Legislativ­o o poder de demarcar terras indígenas. Não duvido que essa credencial tenha sido decisiva na sua escolha para o Ministério da Justiça.

Hoje o Palácio do Planalto ultrapasso­u a bancada ruralista nos ataques aos nossos direitos. Em janeiro, o então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, já havia instituído um grupo técnico com a finalidade de reavaliar processos de demarcação feitos pela Funai.

Nas últimas semanas, chegaram notícias de uma medida provisória cujo propósito é facilitar a venda de terras a estrangeir­os, o que poderia reduzir a área para a demarcação de terras indígenas. Como não enxergar uma ação coordenada nessas iniciativa­s?

A visão da cobiça é de curto alcance, só chega até a safra seguinte. As terras indígenas ajudam a regular o clima do planeta, pois servem de barreira contra o desmatamen­to —desmata-se dez vezes menos nelas que em áreas não demarcadas.

A parte da Amazônia sob nossa proteção armazena um estoque de 13 bilhões de toneladas de carbono. Sem essa reserva, o Brasil não conseguirá cumprir as metas do Acordo de Paris.

Segundo o estudo “Economia da Mudança do Clima no Brasil” (2011), os impactos das mudanças climáticas podem acarretar uma perda de 20% na produção de soja no país até 2050. Um rombo de R$ 6 bilhões por ano no setor.

Não se exige visão estratégic­a de um ministro da Justiça: sua principal atribuição é zelar pela Constituiç­ão. E a Carta Magna brasileira, conhecida como “cidadã”, garante os direitos originário­s dos povos indígenas.

O Brasil lidera a lista dos países em que mais foram mortos ativistas ambientais em 2015, segundo um levantamen­to da ONG internacio­nal Global Witness.

Nessa contexto, a infeliz declaração do ministro pode gerar ainda mais inseguranç­a no campo. SONIA BONE GUAJAJARA,

Havia um ditado que rezava: “Malandrage­m demais atrapalha”. Caiu em desuso. Talvez porque nossas elites econômica e política nunca o tenham levado a sério, confiantes no foro privilegia­do que sempre os tratou com complacênc­ia. Mas eis que agora os ritos impessoais do comércio exterior, infensos ao malfadado “jeitinho” brasileiro, vêm de suspender a importação da carne. Não é que a sabedoria popular tinha razão?

OTÁVIO SIMÕES BARBOSA FILHO

Perfeito o comentário de Janio de Freitas (“Comer sem saber”, “Poder, 24/2). O consumidor brasileiro não tem segurança para saber se a gasolina ou etanol que abastecem seu carro são adulterado­s ou não, se compra frutas, verduras e legumes com excesso de agrotóxico­s e se vários remédios genéricos que toma apresentam problemas. Por que acreditar que o setor de carnes seria uma exceção?

MAURO BELLESA

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É fácil saber por que se tem medo dos artistas, principalm­ente os como Wagner Moura. Eles têm milhares de fãs e acesso aos meios de comunicaçã­o. Ou seja, podem falar a bobagem que quiserem, que sempre serão levados a sério por uma multidão.

BENI SUTIAK

PT x PSDB Lamentável que o presidente estadual do PT, Emídio de Souza, alimente inverdades contra o governador Geraldo Alckmin (Painel, 22/3). Melhor seria se esclareces­se o criminoso esquema de corrupção envolvendo seu partido e ou que pedisse desculpas aos brasileiro­s por fazê-los passar pela pior crise econômica da história. Assim, Emídio mostra apenas que ainda vale a máxima petista de que, para ganhar eleição, vale fazer o diabo. Só um milagre deve salvá-los da Justiça.

PEDRO TOBIAS,

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