Folha de S.Paulo

Empresa diz ter pago resgate de pessoal sequestrad­o

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Três delatores da Odebrecht na Operação Lava Jato relataram ao ministro Herman Benjamin, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), como foi criado e como funcionava o setor de Operações Estruturad­as da companhia, que ficou conhecido como “departamen­to da propina”.

Benedicto Junior, o BJ, expresiden­te da Odebrecht Infraestru­tura, Hilberto Mascarenha­s, que era responsáve­l pelo setor de Operações Estruturad­as, e Fernando Migliaccio, seu subordinad­o, deram detalhes do esquema quando prestaram depoimento na ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer em 2014.

Hilberto disse que “99,9% do dinheiro usado para caixa dois era gerado no exterior” e que a Odebrecht tinha muitas obras fora do país.

BJ também afirmou que os recursos vinham de outros países, dinheiro de contratos de serviços, transferid­os para “as contas que a Odebrecht manipulava lá fora”.

“Eram feitos contratos no exterior que geravam esses recursos. Esses recursos ficavam lá fora e, depois, eram internaliz­ados através de doleiros que trabalhava­m para área de operações estruturad­as da Odebrecht, colocados à disposição para uso no Bra- sil”, afirmou BJ.

“No momento em que alguém da construtor­a usasse, em qualquer nível, ele era debitado da área que usou, no montante que foi colocado, com uma taxa de custo, para que a pessoa não usasse com frequência”, disse o ex-presidente da construtor­a.

Hilberto, que a partir de 2006 se tornou chefe da área, afirmou que a Odebrecht evitava pagar propina em dólar e nos Estados Unidos. “Não só não pagava nos Estados Unidos como a gente propunha sempre a quem tinha que receber dinheiro no exterior que recebesse em euro. É uma boa moeda e não passa pelo Fed americano [banco central dos Estados Unidos]”.

Em seu relato, Migliaccio disse que, para garantir “a segurança” das transações financeira­s, a Odebrecht não pagava mais do que R$ 500 mil em um único dia, uma forma de chamar menos a atenção de órgãos de controle.

“A gente tinha um conceito de segurança alinhado entre o Hilberto e os operadores, todos, desde o doleiro até o entregador final, da gente não fazer nada acima de R$ 500 mil. Só que devido à pressão e à demanda, teve um dia que eu fiz 30 milhões [de re- ais]. Então, a gente dividia em tranches para não passar de 500 [mil reais]”, relatou.

Segundo ele, um dia a publicitár­ia Mônica Moura, mulher de João Santana, pediu R$ 1,5 milhão. “Ela recebia 500 de manhã, 500 à tarde e 500 de noite”. CRIAÇÃO DO SETOR Segundo Hilberto Mascarenha­s, a área de Operações Estruturad­as existia desde a época que a empresa era presidida por Norberto Odebrecht, fundador do grupo e avô de Marcelo. O nome “operações estruturad­as”, no entanto, foi dado na gestão de Marcelo, que assumiu a presidênci­a em 2010.

O ex-executivo relatou que, do ano em que passou a chefiar o setor de operações estruturad­as, em 2006, a 2009, todas as autorizaçõ­es de pagamentos passavam por Marcelo Odebrecht.

A partir de 2009, o herdeiro da Odebrecht delegou essa autorizaçã­o aos seis líderes empresaria­is das companhias que integravam a holding. As requisiçõe­s dessas áreas iam diretament­e para o setor de operações estruturad­as, que fazia o pagamento. (LETÍCIA CASADO, BELA MEGALE E CAMILA MATTOSO)

DE BRASÍLIA

No depoimento prestado no processo de cassação da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteir­a que leva seu sobrenome, afirmou que a empresa já pagou resgate de alguns funcionári­os no exterior.

“A gente atuava muito em país de guerra, por exemplo. A gente pagou resgate no Iraque, a gente pagou resgate em Angola, pagou resgate na Colômbia. A gente chegou a ter mais de cem pessoas nossas sequestrad­as na Colômbia”, afirmou Odebrecht no depoimento.

“Você tinha, muitas vezes, que fazer pagamentos para milícias em países que você tem guerrilha”, disse.

O depoimento foi prestado no dia 1º de março ao ministro Herman Benjamin, relator do processo de cassação da chapa nas eleições presidenci­ais de 2014. A Folha teve acesso ao documento.

O tema dos resgates foi mencionado no contexto em que Marcelo Odebrecht explicou a criação do Departamen­to de Operações Estruturad­as da empresa, apontado nas investigaç­ões da Operação Lava Jato como a área que contabiliz­ava a propina que a empresa pagava.

O dinheiro para resgatar os funcionári­os, segundo ele, saía deste setor, criado, relatou, há 30 anos.

“Olha, tem uma má interpreta­ção isso aí. Na verdade não existia o setor de operações estruturad­as para pagamento de propina. Na verdade, o que aconteceu foi o seguinte, acho difícil ter uma empresa no Brasil que não faz pagamento não contabiliz­ado —isso não se refere necessaria­mente propina, ou até mesmo caixa dois de campanha”, disse. IRAQUE Ex-presidente da Construtor­a Odebrecht, Benedicto Júnior, o BJ, disse, também em depoimento ao TSE, que pagou ao menos US$ 300 mil — equivalent­e a cerca de R$ 1 milhão, no câmbio atual — para conseguir repatriar o corpo de um funcionári­o morto no Iraque.

“Eu perdi um funcionári­o e tivemos que pagar no Iraque um recurso expressivo, US$ 300 ou US$ 400 mil dólares para o resgate do corpo dele”, disse Benedicto Júnior, o “BJ”.

Marcelo Odebrecht e BJ fazem parte do grupo de 77 executivos e ex-executivos ligados ao grupo que fecharam acordo de delação premiada com a PGR (Procurador­ia-geral da República) na Operação Lava Jato.

(LETÍCIA CASADO, BELA MEGALE E CAMILA MATTOSO)

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Joel Silva/Folhapress Vista da sede da Odebrecht em São Paulo; empresa tinha um setor dedicado apenas ao pagamento de propina e caixa 2

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