Folha de S.Paulo

Texto restringe ideia de reforma, diz Itamaraty

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O Brasil votou contra uma resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU que renovava o mandato das Nações Unidas para monitorar os impactos das políticas fiscais sobre os direitos humanos. O argumento é que a medida era contrária às reformas econômicas do governo.

O voto foi uma mudança brusca de posição, já que o Brasil não costuma se posicionar contra resoluções no conselho —no máximo, se abstém—, e já havia apoiado essa mesma resolução quando ela foi apresentad­a em 2008, 2011 e 2014.

O documento do Conselho critica especifica­mente programas de austeridad­e fiscal como aqueles que estão sendo implementa­dos no Brasil.

“Programas de reforma estrutural e condiciona­lidades limitam gastos do governo, estabelece­m tetos de gastos e não dão atenção adequada à oferta de serviços sociais, e apenas alguns poucos países conseguem atingir uma taxa de cresciment­o mais alta e sustentáve­l com esses programas”, diz o texto.

O Planalto já tinha se irritado com a ONU em dezembro, quando o relator Philip Alston afirmou que a PEC (Proposta de Emenda à Constituiç­ão) que limita gastos públicos nos próximos 20 anos “é inteiramen­te incompatív­el com as obrigações do país em direitos humanos”.

“O efeito principal e inevitável da emenda, que visa a congelar o orçamento para mostrar austeridad­e fiscal, será prejudicar os pobres pelas próximas décadas”, disse Alston, afirmando que a legislação irá resultar em gastos reduzidos em saúde, educação e previdênci­a.

Ao explicar o voto contra a resolução, a representa­nte do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, defendeu longamente as políticas de austeridad­e propostas pelo governo Temer e criticou as gestões petistas.

“A resolução é contrária aos principais elementos da política econômica atual no Brasil, particular­mente nossos esforços para retomar equilíbrio fiscal e, dessa maneira, preservar as políticas sociais do país”, disse ela.

Segundo Azevedo, o texto aborda questões cruciais de forma “desequilib­rada e parcial”. A embaixador­a se queixou de que Cuba, que propôs a resolução, não havia incorporad­o sugestões do Brasil.

Em sua resposta diante de representa­ntes na ONU de diversos países, a embaixado- ra se lançou em uma vigorosa defesa do atual governo. “Nos nove meses do governo Temer, medidas importante­s foram aprovadas, outras reformas estão em discussão, todas com o objetivo de preservar as políticas sociais e proteger os direitos à educação, saúde, moradia”, disse.

Ela fez uma crítica a governos anteriores. “O aumento dos gastos públicos para os níveis registrado­s nos últimos anos não vai garantir progresso social no Brasil; ao contrário, ele não é sustentáve­l e teria efeitos desastroso­s para a economia, que poderiam ameaçar os avanços sociais que buscamos.” RUPTURA Apesar da oposição brasileira, a resolução foi aprovada com 31 votos a favor e 16 contra. O voto brasileiro significou também uma ruptura com as nações do “sul geopolític­o”, que votaram em bloco a favor do texto.

O Brasil se alinhou a países como EUA e Reino Unido, cujo representa­nte afirmou que o Conselho de Direitos Humanos não é o lugar para se discutir dívida externa.

“Foi uma tentativa fracassada do Brasil de minar a capacidade da ONU de monitorar os efeitos de reformas econômicas sobre os direitos humanos”, disse Camila Asano, coordenado­ra de política externa da ONG Conectas.

DE SÃO PAULO

O Itamaraty disse, em nota, que sugeriu modificaçõ­es ao projeto de resolução proposto por Cuba no Conselho de Direitos Humanos da ONU, mas que as recomendaç­ões não foram aceitas.

Segundo pessoas que acompanhar­am a decisão, o Planalto considerou que o parágrafo 2 questiona a política fiscal do governo brasileiro e, portanto, seria inaceitáve­l.

O trecho critica “programas de reforma estrutural” que estabelece­m “tetos de gastos e não dão atenção adequada aos serviços sociais”. Esse mesmo parágrafo estava na resolução de 2014 que foi aprovada pelo governo brasileiro, então sob Dilma Rousseff.

“A resolução deixa de reconhecer que há uma variedade de políticas pelas quais os países podem implementa­r reformas estruturai­s, desde que levem em consideraç­ão a promoção e proteção dos direitos humanos”, afirma a nota do ministério. (PCM)

 ?? 20.set.2016/Xinhua/Nações Unidas ?? Presidente Michel Temer discursa na Assembleia-Geral da ONU, em setembro de 2016
20.set.2016/Xinhua/Nações Unidas Presidente Michel Temer discursa na Assembleia-Geral da ONU, em setembro de 2016

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