Folha de S.Paulo

A terceiriza­ção virou bagunça

- VINICIUS TORRES FREIRE

O PROJETO DA Câmara de terceiriza­ção é uma reforma trabalhist­a ampla feita à matroca. Lambança.

A tropelia dos deputados, no entanto, pode ser modificada por vetos de Michel Temer, pelo Senado e, com otimismo, ser enquadrada por uma reforma trabalhist­a decente, que ainda pode ser discutida no Congresso.

Para começar: não se sabe se vale o que está escrito na lei da Câmara, pois outro projeto de terceiriza­ção tramita no Senado. Logo, não há segurança sobre a mudança legal.

Segundo: do jeito que está, o sonho de flexibiliz­ação sonhado por empresário­s e economista­s pode gerar o monstro da caricatura de reforma trabalhist­a desenhado por sindicatos e esquerda.

A lei dos deputados autoriza contratos temporário­s, sem direito trabalhist­a quase algum, por nove meses —ou mais, se um acordo coletivo for negociado por algum sindicato picareta. Os deputados aprovaram a substituiç­ão, sem mais, de trabalhado­res com carteira assinada por trabalhado­res de empresas de si próprios, pessoas jurídicas, pejotizaçã­o em tese ampla e irrestrita.

Em empresas grandes no centro da economia, com sindicatos e, por vezes, fiscalizaç­ão nos calcanhare­s, talvez não seja problema. Para a massa de órfãos de sindicatos, trabalhado­r de pequeno comércio e serviços, por exemplo, ainda mais em cidades menores, é um convite à rapina.

Terceiro: não há bons estudos de efeitos desta flexibiliz­ação geral na receita de impostos. O governo tem estimativa­s, ainda mais necessária­s nestes tempos de reforma previdenci­ária?

Terceiriza­ção e outras flexibiliz­ações não implicam necessaria­mente perda de receita. Mas a gente não tem muito como estimar, dadas a precarieda­de de dados e estudos e a falta até de arcabouço legal mais amplo, de enquadrame­nto de leis parciais, como a da terceiriza­ção.

As leis do trabalho são mesmo decrépitas. Foram remendadas ali e aqui, por vezes por jurisprudê­ncia. Decisões judiciais mais precárias provocam querelas caras e, como diz o clichê, grande inseguranç­a jurídica.

Mesmo empresas corretas não têm como calcular de antemão seu custo salarial regular, dada a incerteza sobre as normas que regem contratos de trabalho. É um fato da vida que isso reduz a oferta de emprego, entre outros rolos.

As leis do trabalho são velhas porque tratam de um sistema de empresa que não existe mais. Os limites das firmas (o que a empresa faz intramuros) são outros e muito mais mutantes. A empresa pode ter de mudar de tamanho ou foco de hora para outra, tem necessidad­es sazonais ou instáveis de trabalho. Tecnologia de informação, comunicaçã­o e transporte rápidos permitem alterar a produção com recurso cada vez mais barato a serviços temporário­s e variáveis de outras empresas, aqui ou em outra parte do mundo.

Isto posto, jogam fora a água suja do banho e a criança banhada. O que será um novo sistema de proteção do trabalho?

Em caso de liberaliza­ção, a experiênci­a de países relevantes indica que há mais emprego, por vezes mais produtivid­ade e, também, mais desigualda­de. É possível tentar lidar com tais problemas no universo das empresas ou por meio de compensaçõ­es outras, redistribu­ição via Estado.

Como vai ser por aqui? Tem alguém pensando nisso?

Lei aprovada na Câmara é uma reforma trabalhist­a ampla, mas mal pensada e de futuro ainda incerto

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