Folha de S.Paulo

Uma fresta de luz

- PEDRO LUIZ PASSOS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

SALVO IMPREVISTO­S na área política, e eles têm acontecido com alta frequência, começa a despontar o sentimento de que a recessão está amainando e o cresciment­o econômico não demora a brotar.

Numa situação de intensa incerteza política e profunda retração da economia, ambas iniciadas três anos atrás, é surpreende­nte o ritmo das transforma­ções em tão curto espaço de tempo, consideran­do que o atual governo, que retomou a agenda de reformas estruturai­s e busca dirigir o Congresso nessa direção, acumula pouco mais de seis meses de mandato efetivo.

Nem a mais dramática recessão da história nem a extensão da ruína ética e moral das relações políticas e entre o público e o privado apuradas pela Lava Jato tolheram ações essenciais, como a limitação real do gasto público por ao menos dez anos. E sem prejuízo de prioridade­s sociais, como saúde e educação.

Reformas relevantes, e intricadas politicame­nte, como a da Previdênci­a, em tramitação na Câmara, além da tributária em discussão, podem reaver o potencial da economia, o tempo perdido nos últimos anos e o atraso em relação ao avanço acelerado dos países emergentes.

Tome-se a China: no fim dos anos 1970, quando começam as reformas liberaliza­ntes na economia daquele país, exportávam­os mais, estávamos à frente em renda per capita e nos víamos como potência econômica até a virada do século passado. O que houve? Segundo o FMI, o PIB chinês se aproxima do dos EUA e a renda per capita passou a do Brasil.

O que fez a diferença na China, e hoje faz na Índia, onde está em curso o maior programa de modernizaç­ão econômica do mundo, foram reformas para atrair capitais privados, direcionar fundos para a infraestru­tura, regulação favorável à abertura de firmas, à exportação e à inovação, a indução da concorrênc­ia, e por aí vai.

Não se vai a tanto com as medidas já aprovadas ou propostas pelo governo, mas o acerto das escolhas e a disposição de enfrentar uma agenda politicame­nte difícil mudou a perspectiv­a sobre as possibilid­ades de o Brasil sair do atoleiro.

Medidas dessa ordem foram adotadas pela China, de partido único, e pela Índia, a maior democracia do mundo, pois fazem sentido, inclusive para a segurança social. Segundo estudo da Universida­de da China, 75% da expectativ­a de vida é explicada pelo nível da renda per capita.

A revogação do monopólio da Petrobras no pré-sal, por exemplo, vai estimular a competição, atrair investimen­tos e criar empregos —fatores cruciais para o desenvolvi­mento. A reforma da governança das estatais, vedando a partidos indicar executivos, e os programas de demissão voluntária vão deixá-las mais fortes.

Tais medidas mofavam há anos para alegria dos lobbies do atraso. E não são poucas. Legalizara­m-se recursos mantidos no exterior, com o pagamento de imposto e multa. Baixou-se medida provisória para regulariza­ção fundiária urbana e rural, capaz de tirar milhões de famílias da clandestin­idade e habilitá-las à cidadania.

Retomou-se o programa de concessões, embora em ritmo lento, com a licitação de cinco aeroportos sem nenhum crédito subsidiado. A inflação tende à meta (4,5%) e até menos, abrindo espaço para a normalizaç­ão dos juros e do crédito. O Congresso acaba de aprovar a terceiriza­ção em todas as atividades, importante passo na direção de uma reforma trabalhist­a mais profunda.

Não está tudo bem, mas estava muito pior há menos de um ano. Agora se vê alguma luz, apesar do caos político e da resistênci­a de feudos da burocracia. A lamentar é como permitimos tanta distorção.

As reformas não têm viés ideológico, são só necessária­s, como a China fez e a Índia está fazendo

PEDRO LUIZ PASSOS,

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