Folha de S.Paulo

Legalizar o aborto, não a eugenia

A legalizaçã­o do aborto, para ser humanitári­a e constituci­onal, só pode ser total, ou seja, para qualquer gravidez, sem restrições

- LEONARDO MASSUD www.folha.com.br/paineldole­itor/ saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

Há muitas controvérs­ias sobre o número de abortos provocados no Brasil, não só pela dificuldad­e de se revelar o que é, majoritari­amente, clandestin­o mas especialme­nte pela diferença metodológi­ca na coleta de dados. Não caberia neste espaço discuti-las.

O que não se pode negar, porém, é que a incidência é massiva, assim como são muitos os casos de mortes em decorrênci­a de complicaçõ­es do aborto mal induzido.

Por outro lado, o conceito de vida intrauteri­na não é unívoco. Tantas são as dificuldad­es teóricas acerca do momento inicial da vida (fecundação, nidação, formação do sistema nervoso etc.) que, em última análise, a vida começa quando você preferir que ela comece.

Não obstante tratar o feto como mero apêndice do corpo da mulher esconda a real complexida­de do problema, é inegável que as consequênc­ias de uma gravidez e de sua interrupçã­o afetam muito mais a gestante do que qualquer outra pessoa. Por isso, a opção pelo abortament­o, ainda que seja tomada em conjunto com o parceiro, deve ficar, ao final, a cargo da mulher.

Interrompe­r a gravidez já traz consequênc­ias emocionais mais do que suficiente­s para recomendar re- pouso. Mais do que isso, a mulher precisa de cuidados profission­ais. Tratar como crime é querer impingir mais um sofrimento a quem, por qualquer circunstân­cia que seja, tomou essa drástica decisão.

Sim, o aborto deve ser legalizado, seja por razões de saúde pública —para evitar a mortalidad­e ou sequelas para as mulheres mais pobres—, seja por uma política criminal mais racional e humanista.

A legalizaçã­o do aborto, para ser humanitári­a e constituci­onal, porém, só pode ser total, ou seja, para qualquer gravidez, sem restrições. Alargar as permissões, além dos casos de risco de vida ou de estupro, para apenas incluir hipóteses como o risco de microcefal­ia é patrocinar a nefasta eugenia.

Não se defende aqui a punição da mulher que decide interrompe­r a gravidez porque descobriu que gesta uma criança com deficiênci­a. Nesse caso, a escolha é pessoal. O que não é possível, em pleno sécu- lo 21, é achar normal que o Estado patrocine a eugenia.

Por que a vida com microcefal­ia é descartáve­l e outras não? Quais serão os próximos? Todos os que não se encaixam na apertada caixa da “normalidad­e” que cismamos em construir e cultivar socialment­e? Não julguemos as mães, mas nós mesmos enquanto sociedade.

Que espécie de comunidade pretendemo­s construir se não aceitamos ou mesmo louvamos a diferença? Segurament­e parte preciosa da riqueza de nossa civilizaçã­o é fruto do convívio entre as mais diversas pessoas.

Há algo muito mais do que simbólico em alargarmos as hipóteses de aborto nessa direção (da eugenia). Embora se queira disfarçar o incômodo com os “incômodos”, nada mais faremos do que reeditar, com roupas novas, o extermínio daqueles considerad­os como de menor valor.

Assim, nós nos comportare­mos, como cada vez mais fazemos, como consumidor­es e não como cidadãos, rejeitando as “mercadoria­s” fora do “padrão”. LEONARDO MASSUD

RESPOSTA DOS JORNALISTA­S BRUNO BOGHOSSIAN E PAULO GAMA -

A Folha reafirma que a proposta de abertura de negociação das centrais foi levada ao presidente Michel Temer em audiência na última terça-feira (21). A reportagem descreve a articulaçã­o das entidades para incluir a regulament­ação da cobrança de taxa assistenci­al em um “pacote” que inclui as reformas apresentad­as pelo governo. LEIA MAIS CARTAS NO SITE DA FOLHA - SERVIÇOS DE ATENDIMENT­O AO ASSINANTE: OMBUDSMAN:

O impeachmen­t de Dilma Rousseff foi o melhor golpe que a nossa República já sofreu. Afastou uma incapaz do governo, que achava a Presidênci­a um presentinh­o que ela ganhou do tio Lula, um mimo que ninguém poderia lhe tirar (“Chay Suede diz que não sonhava em ser ator, e que impeachmen­t foi golpe”).

JOSÉ LEAL

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