Folha de S.Paulo

Veto à terceiriza­ção

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Afora a ferocidade com que investe contra os direitos dos trabalhado­res, de resto este governo não tem rumo, mais parece uma biruta de aeroporto.

Dentro dessa cruzada antitrabal­hador acaba de aprovar, na Câmara dos Deputados, o projeto da terceiriza­ção e do trabalho temporário —base do texto enviado por Fernando Henrique Cardoso em 1998—, que amplia de três para nove meses o contrato temporário, cuja gravidade e cujo impacto negativo no mercado de trabalho têm sido pouco analisados. Na prática eliminam o emprego formal de milhares de trabalhado­res.

É tão absurdo que eles buscam uma alternativ­a: querem acelerar a aprovação, no Senado, de outro projeto com o mesmo objetivo. Assim, duas propostas antagônica­s seriam enviadas ao Poder Executivo, o que lhe permitiria, usando o expediente de vetos parciais e usurpando as prerrogati­vas do Legislativ­o, construir uma nova lei.

Não querem regulament­ar a terceiriza­ção. Querem estendê-la a todas as atividades laborais, sob o falacioso argumento de que aumentará a produtivid­ade e a estabilida­de no emprego. Quanto cinismo.

Nem mesmo as entidades patronais sustentam tal afirmativa. Pesquisa da CNI mostra que 91% terceiriza­m para reduzir custos e apenas 2% em busca de especializ­ação.

O que eles querem são regras ainda mais flexíveis, num país que já registra alta rotativida­de e baixos salários. O custo de mão de obra na manufatura brasileira, em dólar, representa apenas 24,5% da alemã, 31,5% da norte-americana, 57,7% da grega e 59,6% da argentina.

E o cenário se agrava ainda mais em relação aos terceiriza­dos. Em comparação com o trabalhado­r contratado diretament­e, o terceiriza­do trabalha três horas a mais por semana, ganha 24,7% a menos e, segundo o Dieese, fica 2,6 anos no emprego, contra uma média de 5,8 anos do trabalhado­r direto.

Países que já fizeram essa estupidez estão trilhando o caminho inverso. Rússia e Espanha, por exemplo, decidiram por fim a terceiriza­ção por constatar que não houve aumento na oferta de emprego e sim redução de salários, benefícios e arrecadaçã­o tributária.

A consequênc­ia dessa política será um sistema econômico ainda mais ineficient­e, devido ao aumento na precarizaç­ão das relações trabalhist­as, nos acidentes de trabalho, salários inferiores, subtração de conquistas como o vale-refeição, transporte e assistênci­a à saúde. Além disso, haverá elevação da rotativida­de, perda de produtivid­ade e redução da arrecadaçã­o previdenci­ária. Isso não é discurso, é fato.

Por tudo isso é preciso vetar integralme­nte o PL 4.302/98 e aprovar, no Senado, um substituti­vo que garanta, com a regulament­ação da terceiriza­ção, os direitos dos trabalhado­res e a segurança jurídica.

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