Folha de S.Paulo

Relator explora temas que sugerem cassação de Temer

Ministro do TSE insistiu com delatores em questões sobre caixa 2 e contrapart­idas

- CAMILA MATTOSO BELA MEGALE LETÍCIA CASADO

Para embasar seu voto no caso, Benjamin ouviu nas últimas semanas ex-dirigentes da Odebrecht DE BRASÍLIA

Perguntas feitas pelo ministro Herman Benjamin, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a delatores da Odebrecht indicam ao menos três pontos que devem ser utilizados para embasar sua posição no processo que pode cassar a chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer em 2014.

Relator da ação, ele insistiu em questionam­entos sobre esses temas e chegou a indicar, ainda que discretame­nte, seu posicionam­ento durante as oitivas. A expectativ­a, segundo a Folha apurou, é que ele peça a cassação da chapa. O ministro não se manifesta sobre o voto, em razão de sigilo.

O primeiro ponto abordado com insistênci­a por ele trata do uso de R$ 50 milhões em propina na campanha, fruto, segundo os delatores, de contrapart­ida pela aprovação da medida provisória 470, apelidada de Refis da Crise, em 2009.

O dinheiro, de acordo com a delação, acabou não sendo utilizado na campanha de 2010, ficando como “crédito” para as eleições de 2014.

O segundo tema é o pagamento de R$ 25 milhões, via caixa 2, para “comprar” (termo usado nos relatos) o apoio de partidos à chapa DilmaTemer e aumentar o espaço de propaganda na televisão.

O terceiro assunto perseguido pelo relator nos depoimento­s diz respeito a gastos não declarados de ao menos R$ 16 milhões com o marqueteir­o João Santana, que trabalhou na campanha.

Os depoentes que mais trataram dos temas foram Marcelo Odebrecht, ex-presidente e herdeiro do grupo, Alexandrin­o Alencar, ex-diretor de Relações Institucio­nais, Hilberto Mascarenha­s, ex-diretor do departamen­to de operações estruturad­as da empresa, conhecido como o setor de propinas, e Fernando Migliaccio, ex-funcionári­o da mesma área.

Para entender o processo de aprovação da MP 470, Benjamin fez ao menos 25 perguntas somente a Marcelo Odebrecht.

No diálogo, o ministro questiona: “Os R$ 50 milhões não saíram em 2010?”. O executivo responde que não e é novamente acionado: “Ficou o crédito?”. Em seguida, o relator faz perguntas sobre de que forma o governo teria dado contrapart­ida ao grupo.

O ministro do TSE deixa claro que, além de querer saber se o dinheiro foi ou não utilizado em 2014, também quer esclarecer se trata-se de caixa 2 “puro”, uma doação não contabiliz­ada, ou se foi um ato de corrupção, quando envolve promessa ou ato em troca de uma vantagem indevida.

Durante as audiências,o ministro expôs seu entendimen­to sobre a diferença.

“Porque tecnicamen­te, só para orientar o depoimento, eu nem sei se o senhor terá informaçõe­s sobre isso, caixa 2 não está necessaria­mente vinculada à propina no sentido de: olha, eu vou lhe dar um benefício que não é muito lícito, mas, em contrapart­ida, eu espero uma contribuiç­ão. Isso é propina”, disse o relator. COMPRA DE ALIADOS Sobre a compra de partidos para que a coligação tivesse mais tempo na televisão, Benjamin indagou ao menos 29 vezes Alexandrin­o Alencar, o responsáve­l pela negociação de R$ 21 milhões com três siglas (PCdoB, Pros e PR) em menos de uma hora de oitiva. Esse foi basicament­e o único tema explorado com o ex-executivo. Além desses partidos, o PDT, segundo a Odebrecht, recebeu R$ 4 milhões pelo mesmo esquema.

“Em outras palavras, segundo o que o senhor disse, só com a compra de tempo de três partidos e, portanto, de caixa 2, esse valor já superava a contribuiç­ão oficial? Não é isso?”, disse Benjamin.

Os partidos negam a acusação e afirmam que apoiaram a chapa Dilma-Temer por questões ideológica­s.

Os três pontos destacados dizem respeito apenas aos depoimento­s de delatores da Odebrecht — os últimos a serem chamados. A Folha teve acesso às transcriçõ­es na última semana.

O processo, porém, começou em 2014, logo depois da eleição. Cerca de 50 pessoas foram ouvidas ao longo desses dois anos. Nesta segunda (24), ele entregou o relatório final do caso ao tribunal, abrindo caminho para o início do julgamento da ação (leia mais na página A6).

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