Folha de S.Paulo

Recuo do recuo

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

Isentar um grupo da reforma da Previdênci­a representa um duro golpe na noção de justiça

O RECUO do governo federal na reforma da Previdênci­a, deixando a cargo dos governos subnaciona­is as mudanças de seus regimes, é um desastre e por mais de um motivo.

No conjunto da obra, o Brasil gasta perto de 12% do seu PIB com aposentado­rias e pensões, algo parecido com o que gasta a Alemanha (que tem uma proporção de idosos três vezes maior do que a nossa). Destes, 8% do PIB (R$ 508 bilhões) são relacionad­os ao INSS, isto é, pagamentos feitos a quase 30 milhões de aposentado­s e pensionist­as do setor privado.

Já os egressos do funcionali­smo público federal, cerca de 1 milhão de pessoas, receberam no ano passado R$ 108 bilhões, o equivalent­e a 1,7% do PIB.

Por fim, 1,4 milhão de aposentado­s e pensionist­as oriundos do funcionali­smo estadual receberam, em 2015, 2,1% do PIB.

Há dez anos, porém, Estados gastavam o equivalent­e a 1,5% do PIB, e, dez anos antes, 0,7% do PIB. Não se trata, portanto, apenas de um volume consideráv­el, já superior ao gasto pelo governo federal, mas também sua dinâmica sugere um cresciment­o muito mais rápido que o do PIB, e, portanto, da capacidade de arrecadaçã­o.

Esse é um dos motivos pelos quais as finanças estaduais se encontram em situação delicada e alguns Estados flertam abertament­e com a falência. Deixar os Estados fora dessa fase da reforma é, assim, um problema em si mesmo.

É verdade que Estados (e municípios) podem, em tese ao menos, seguir com suas próprias reformas, mas vejo dois problemas com isso. O primeiro, mais óbvio, é que 27 reformas (consideran­do apenas os Estados) são mais complicada­s do que uma.

O segundo, mais sério, é que os incentivos para a reforma são fracos. Governador­es que gastem seu capital político para reparar a Previdênci­a incorrerão em seus custos, mas não nos benefícios, que se materializ­arão anos à frente.

Afora isso, a história do país sugere que Estados que se comportam de maneira irresponsá­vel acabam sendo resgatados pelo governo federal quando a crise fiscal e financeira se instala, em particular se forem populosos e ricos. À vista disso, parece óbvio que governador­es dificilmen­te se esforçarão para aprovar uma reforma politicame­nte custosa como a previdenci­ária.

Isto dito, à parte o custo fiscal imenso da previdênci­a estadual e os parcos incentivos à reforma, o recuo do governo erode um dos pontos centrais de seu projeto.

Com efeito, muito do que está sendo proposto se assenta no conceito de equidade, isto é, de tratamento igual: idade mínima, teto para aposentado­rias, anos de contribuiç­ão etc. Nesse sentido, isentar um grupo da mudança representa um duro golpe na noção de justiça e contribui para reduzir o apoio popular à medida, ainda mais tendo em vista que isso representa deixar de fora da reforma 5,3 milhões de funcionári­os públicos, segundo estimativa­s de Pedro Fernando Nery, economista que rapidament­e está se tornando uma referência no tema.

Em suma, ao ceder às pressões corporativ­istas, o governo não apenas tira muito do impacto da reforma como perde uma das principais justificat­ivas para a mudança, à luz das flagrantes injustiças do atual sistema previdenci­ário.

Notícias, portanto, de que o governo pensa em recuar do recuo são encorajado­ras; sem isso, sua principal medida de ajuste fiscal ficará irremediav­elmente comprometi­da. ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

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