Prefeitos regionais foram orientados, afirma gestão
Após mudar regra editada no ano passado pelo então prefeito Fernando Haddad (PT), a gestão João Doria (PSDB) começou a retirar as “favelinhas” espalhadas por ruas e calçadas de São Paulo.
O decreto de Haddad foi editado às pressas, quando o prefeito sofria um desgaste tanto pelo recolhimento de cobertores e colchões, como por mortes de moradores de rua em meio ao inverno rigoroso.
A chamada “lei do frio” tinha como objetivo evitar que agentes públicos desmontassem barracas e retirassem pertences de moradores de rua, mas criou um efeito colateral de provocar o avanço dessas pequenas favelas por diferentes pontos da cidade.
Agora, com a revisão do decreto, Doria iniciou o desmonte dos barracos —também com seus efeitos colaterais.
Na praça da Sé, por exemplo, moradores de rua mostram os papéis que têm em mãos: protocolos de atendimento para fazer, mais uma vez, o RG. “Foi o ‘rapa’ que levou tudo”, diz Elisângela Caetano, 37, numa referência à ação dos agentes públicos.
Além da Sé, moradores de rua que dormem no Pateo do Collegio, na praça Dom José Gaspar, no Anhangabaú e na região de Santa Cecília (centro), além de moradores da Mooca (zona leste) e de Santana (norte) reclamam de terem tido seus bens apreendidos e malocas desmontadas.
“Levaram minha mochila, com tudo dentro”, diz Elisângela. Outro morador de rua, Manoel França da Silva, 47, faz coro: “Também levaram meu colchão e minha coberta”.
O decreto de Doria, de janeiro, suprime itens da norma anterior, de Haddad, como o que proibia a apreensão de “papelões, colchões, colchonetes, cobertores, mantas, travesseiros, lençóis e barracas desmontáveis” de moradores de rua —na prática, tornando legal a ação de recolher esses objetos. O texto também passa a autorizar ações aos fins de semana.
Mas a norma mantém a proibição do recolhimento de pertences como documentos, sacolas, medicamentos, mochilas, roupas e carroças —o que não vem sendo respeitado, segundo os moradores de rua.
Também estabelece que as prefeituras regionais divulguem, em seus sites, os locais de realização das ações de zeladoria urbana —e não mais os dias e horários, como previa o decreto anterior. Das 32 prefeituras regionais, porém, só uma, a Sé, cumpre a regra.
E, apesar desse novo decreto, Doria havia afirmado que a prefeitura não tiraria os pertences dos moradores de rua.
“[Retirar cobertores] seria uma desumanidade. Isso não vai ser feito. É apenas para preservar o direito da GCM [Guarda Civil Metropolitana] para não haver a ilegalidade, mas jamais retirar pertences e cobertores”, disse, na época da publicação da norma. DESMONTE Na Sé, Abimael Araújo, 44, diz que na mochila que levaram havia remédios, que teve de buscar outra vez —ele mostra um saco plástico com caixas deles. “Jogaram minha cadeira de rodas no caminhão [da zeladoria urbana]. Tive que mandar buscarem”, diz Jordão Pereira, 31, apontando para o objeto atrofiado. Ali, os moradores também dizem que tiveram barracas retiradas.
A Folha presenciou o desmonte em outros locais da região central: no Anhangabaú, ao lado da estação de metrô Santa Cecília e na praça Dom José Gaspar —nessa última ação, um policial militar jogou spray de pimenta no rosto de um morador de rua.
Na Mooca (zona leste), de 17 pessoas que dormiam sob o viaduto Guadalajara, restaram cinco, segundo Marcelo Oliveira, 35, que diz ter tido roupas e coberta apreendidos.
Em frente à estação de metrô Santana, na avenida Cruzeiro do Sul (zona norte), Genison de Jesus, 49, pedreiro que mora há um ano na rua, afirma que a GCM recolheu pertences de moradores na semana que antecedeu a presença de Doria no local. O prefeito foi no sábado (18), vestido com um uniforme de limpeza da prefeitura, completar uma das fases de seu programa de zeladoria urbana, o Cidade Linda.
Há “favelinhas” mais estruturadas, porém, que seguem intocadas. Sob o viaduto do Glicério (região central), moradores dizem não serem perturbados pelo “rapa”. É o mesmo caso da Comunidade do Cimento, na Radial Leste, onde não há fiscalização há mais de dois anos, segundo os moradores, que criaram até um bar na calçada.
DE SÃO PAULO
A gestão do prefeito João Doria (PSDB) diz que “ainda não recebeu denúncias formais pelos canais de comunicação” sobre o desmonte das “favelinhas” e que, se forem encaminhadas, “serão imediatamente investigadas”.
Em nota, também afirma que os prefeitos regionais já foram orientados “sobre o cumprimento estrito” do decreto de janeiro, “segundo o qual não é permitido recolhimento dos pertences pessoais, como documento, remédios, roupas”, entre outros.
Segundo a prefeitura, não houve aumento de ações de zeladoria feitas com a Guarda Civil Metropolitana. “A GCM atua no apoio e proteção do agente público, a quem cabe executar a ação de zeladoria. Não há registro de atuações com a Polícia Militar.”
A gestão municipal diz ainda que a “remoção de ‘barracos’ é autorizada em casos que configuram permanência ou obstrução às vias”. “Contudo, nestes casos, o primeiro procedimento é solicitar que a pessoa desmonte e organize seus pertences”.
“No caso de bens duráveis, o cidadão deve indicar ao agente quais são de uso pessoal. Na hipótese de recusa da retirada, a prefeitura deve apreender a barraca ou estrutura, inventariar e informar o local e prazo para retirada.”
Sobre a divulgação dos locais das ações de zeladoria urbana, a prefeitura diz já estar “tomando providências para sanar a falta de informação com a maior urgência possível, o que deve acontecer em até 15 dias” —só uma das 32 prefeituras regionais divulga essas informações no site.
Por fim, a prefeitura ressalta que está desenvolvendo ações voltadas a moradores de rua, como a oferta de vagas de emprego em empresas privadas.