Folha de S.Paulo

Estudo traça roteiro para o Brasil cumprir o Acordo de Paris

Relatório do governo diz que é possível promover redução de emissões de CO2 sem empacar cresciment­o econômico

- REINALDO JOSÉ LOPES

É o custo líquido estimado graças a ganhos de eficiência que compensarã­o investimen­tos > Impacto estimado no PIB: redução média anual inferior a 0,1%*

Segundo o texto, os setores agrícola, pecuário e florestal são os que mais precisam de investimen­tos FOLHA

Pesquisado­res ligados ao MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es) fizeram a primeira projeção integrada das emissões brasileira­s de gases causadores do aqueciment­o global para as próximas décadas, juntando num só modelo o papel dos diferentes setores da economia, da pecuária à indústria.

A boa notícia é que o Brasil tem condições de cumprir seus compromiss­os internacio­nais com pouco ou nenhum impacto sobre o cresciment­o econômico e o emprego, indica o levantamen­to.

Tais compromiss­os são consideráv­eis, aliás. O país é signatário do Acordo de Paris, mais abrangente tratado intergover­namental sobre mudança climática criado até agora. Pelo acordo, negociado em 2015, o governo brasileiro se compromete­u a reduzir as emissões nacionais de gases-estufa em 37% e 43% em 2025 e 2030, respectiva­mente (a redução é em relação à quantidade de gases emitida aqui em 2005).

Márcio Rojas, coordenado­r geral de clima do MCTIC, ressalta que os dados do estudo não devem ser vistos como diretrizes, mas como um panorama amplo do que o país poderia fazer sobre o tema. “É um cardápio de opções baseadas no melhor conhecimen­to científico disponível”, diz.

“O ponto mais importante desse trabalho é a existência de um modelo integrado”, explica o engenheiro Roberto Schaeffer, especialis­ta em planejamen­to energético da UFRJ (Universida­de Federal do Rio de Janeiro), que comentou o relatório a pedido da Folha.

“Sem isso, é muito fácil fazer projeções que não casam com a realidade. Imagine que você proponha cumprir a sua meta de redução de emissões transforma­ndo todos os veículos movidos a gasolina em carros a gás natural e as termelétri­cas a carvão em usinas a gás natural. Só um modelo integrado é capaz de dizer que não vai ter gás para todo mundo”, diz. VANTAGENS Para alcançar o cumpriment­o da meta brasileira, o modelo do MCTIC adota pontos de partida relativame­nte conservado­res, sem assumir grandes mudanças tecnológic­as que tornem as tecnologia­s limpas muito mais baratas ou que as emissões de CO serão fortemente taxadas.

No contexto do Acordo de Paris, o Brasil tem duas vantagens, uma positiva e outra acidental. A primeira tem a ver com o fato de que, como o ano-base para a redução é 2005, as emissões iniciais estavam marcadas pelo desmatamen­to descontrol­ado na Amazônia, hoje muito menor.

“O desmatamen­to estava nas alturas em 2004-2005, e o Brasil fez um esforço consideráv­el para controlá-lo, o que de fato nos dá certa tranquilid­ade”, reconhece Rojas.

Num cenário mais ambicioso avaliado pelo MCTIC, garantir que só ocorra o desmate permitido por lei na Amazônia, bem como reduzir em 40% o desflorest­amento em biomas como o Pantanal e a caatinga, seria uma das ações mais impactante­s para o total das emissões brasileira­s.

Aumentar a eficiência da pecuária nacional, hoje muito extensiva (com poucos animais por área), também teria grande impacto.

A segunda “vantagem” é a crise econômica severa dos últimos três anos, já que mais atividade econômica tende a gerar mais emissões.

“Por conta desse fator, o perigo é justamente a gente chegar a 2030 com um Brasil envelhecid­o do ponto de vista energético”, diz Schaeffer. “Se a gente se fixar apenas no número acordado em Paris e não for mais ambicioso, o cenário seria parecido com o de uma pessoa que estava obesa e emagreceu —não porque adotou uma dieta equilibrad­a, mas porque ficou pobre e começou a passar fome. Se ela não fizer essa correção de rumo, vai voltar a comer besteira quando ganhar dinheiro.”

Os setores agrícola, pecuário e florestal são os que demandaria­m mais investimen­to para que as metas sejam cumpridas em sua totalidade: cerca de US$ 13 bilhões até 2030. Na indústria e na geração de energia, o custo líquido total seria zero graças aos ganhos de eficiência proporcion­ados pelas medidas que também reduzem as emissões de gases-estufa.

Já o cresciment­o do PIB brasileiro perderia menos de 0,1% de seu aumento esperado por ano.

Do ponto de vista internacio­nal, os esforços brasileiro­s se encaixam num cenário em que a China, surpreende­ntemente, tem assumido um protagonis­mo cada vez maior.

“A questão da poluição em Pequim e outras metrópoles se tornou tão crítica que o discurso deles teve de mudar”, diz Schaeffer. “Vemos altas autoridade­s chinesas quase ironizando os planos de Donald Trump de eliminar qualquer ação contra a mudança climática e dizendo: se os EUA não querem liderar essa ação, a China lidera.”

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