Folha de S.Paulo

CRÍTICA Errantes de Wenders perdem lugar no mundo

Novo longa do diretor alemão, falado em francês, mostra conversa deslocada entre homem e mulher na Espanha

- INÁCIO ARAUJO

FOLHA

Faz poucos meses eu revi “Paris-Texas” (1984). Talvez não seja mais tão atual quanto era na época. Pouco importa: o talento de Wim Wenders ali é evidente, a força das imagens continua a impression­ar.

Era o tempo, ainda, em que os personagen­s do cineasta alemão andavam de um lado para o outro, atravessan­do ora um deserto, ora um país. Buscavam alguma coisa? Ou não buscavam nada?

Esses seres errantes sumiram desde então. Wenders acumulou filmes ora desinteres­santes, ora fracassado­s. Alguns deviam seu encanto quase exclusivam­ente ao objeto (“Buena Vista Social Club”).

Em outros casos, mesmo o interesse que desperta o objeto ficou pelo caminho (em “Pina”, em função do uso do 3D).

O que teria acontecido, enfim, a ex-Wim? —pode-se perguntar nesta era de superherói­s em série?

Eis a questão que “Os Belos Dias de Aranjuez” nos força a encarar. Primeiro, existem os super-heróis, claro. A dúvida (assim como sua gêmea, a tolerância) passou a ser mal avaliada: é como se cada um tivesse de antemão todas as certezas.

Não é o melhor ambiente para Wim lançar seus personagen­s errantes, à procura de algo que às vezes nem eles sabiam o que era.

Isto é: talvez não seja por acaso que seu último filme memorável, “Asas do Desejo” (1987), tenha sido feito pouco antes do fim do Muro de Berlim. Wenders parece não caber no mundo que daí surgiu. Tampouco o dramaturgo Peter Handke, seu parceiro nos melhores dias e agora, novamente, em “Aranjuez”.

Tudo começa com um escritor diante da máquina de escrever. Logo ele começa a conceber sua história: há um jardim, bem à sua frente, onde um homem e uma mulher conversam, sentados, em torno de uma mesa.

O que parece que vai se estabelece­r é um diálogo libertino, incitado pelo homem (Reda Kateb), que pergunta à mulher (Sophie Semin) sobre sua primeira vez (primeira experiênci­a sexual, é evidente). Eis uma questão que combina com a paisagem, mas não com o 3D. O 3D é muito bom para fazer aparecer diante de nós um tubarão ou algo assim. Não para um diálogo filosófico, que é o que se desenha desde então.

Na verdade não é bem um diálogo: o homem coloca questões, a mulher responde. Ela não parece ter interesse maior por ele. E as perguntas que ele formula, a partir de certo instante (logo) parecem não raro mera formalidad­e. MULHER DIÁFANA À questão inicial a mulher responderá dizendo que sua “primeira vez” foi sozinha e na infância. Que primeira vez é essa? Algo muito especial, sem dúvida. E todo o desenvolvi­mento se dará em torno dessa mulher diáfana demais, profunda demais para um diálogo libertino.

Especial é também o suave sotaque dos dois atores: o falar do homem e da mulher nos remetem à dicção dos personagen­s de “Hiroshima Meu Amor”. E, como no filme de Alain Resnais, eles parecem irremediav­elmente deslocados: franceses de origens provavelme­nte distintas em Aranjuez (Espanha), assim como Handke é um austríaco escrevendo, aqui, em francês.

E Wenders é o alemão internacio­nal fazendo, na Espanha, um filme em francês.

Ou seja, algo restou do exWenders errante. Não muito. (LES BEAUX JOURS D’ARANJUEZ) DIREÇÃO Wim Wenders ELENCO Reda Kateb, Sophie Semin, Jens Harzer PRODUÇÃO Alemanha, 2016, 12 anos QUANDO estreia na quinta (30) AVALIAÇÃO regular

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Fotos Divulgação Os atores Reda Kateb e Sophie Semin como seus personagen­s sem nome no filme ‘Os Belos Dias de Aranjuez’, de Wenders

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