Folha de S.Paulo

Alavancage­m

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“Quando você negocia”, escreve Donald Trump em “A Arte da Negociação”, “a pior coisa é parecer desesperad­o. Se o outro lado sentir cheiro de sangue, você está morto.”

Publicado há 30 anos, o livro orienta a negociar de uma posição de força. O negociador precisa de alavancage­m. “Você tem alavancage­m quando possui algo que o outro lado quer, precisa ou não pode viver sem ter.”

Semana passada, Trump ignorou sua própria máxima. Lançou uma ofensiva para acabar com a política de saúde do antecessor, mas o fez sem alavancage­m no Parlamento. A derrota foi acachapant­e.

Nesta semana, o presidente retomou a ofensiva. Seu novo alvo é a política energética de Obama. Desta vez, a chance de êxito é maior porque ele está bem alavancado.

A briga foi fatiada em partes. O primeiro round foi o relaxament­o dos limites à indústria do carvão. O segundo deve incluir uma restrição às exportaçõe­s de gás. Nesse jogo, o que importa não é o Congresso, mas países como a China.

A história é assim: na esteira da crise de 2008, Obama fez tudo o que pôde para impedir a implosão da economia chinesa. Se a China afundasse, carregaria junto boa parte do mundo. Para isso, Obama relaxou os controles à exportação de gás americano para o mundo. Jorrando combustíve­l no mercado global, os Estados Unidos ajudaram a derrubar o preço da energia global, uma injeção de adrenalina para Pequim.

De lá para cá, a China criou uma nova dependênci­a de gás barato. Além de precisar desse gás para manter sua indústria de pé, ela utiliza a commodity para substituir o carvão. Descarboni­zar as grandes cidades chinesas virou questão de sobrevivên­cia para o regime governante, que precisa dar respostas de saúde à população.

Trump provocará. Ele acredita que a interdepen­dência com a China é perversa, pois aumenta a vulnerabil­idade dos Estados Unidos. Acha também que os chineses se beneficiam do gás barato à custa dos interesses americanos.

Com o ajuste de política energética, Trump buscará reposicion­ar seu país diante da China. Ele tem alavancage­m porque basta uma canetada na Casa Branca para fazer o preço internacio­nal do gás disparar.

A longo prazo, isso seria péssimo para todos. De imediato, porém, esse choque daria aos Estados Unidos a vantagem de contar com gás mais barato. Na concepção de Trump, isso traria muitas vantagens a curto prazo.

O presidente precisa cada vez mais de ganhos imediatos. Eles é que poderão energizar sua base e assegurar vitória nas eleições parlamenta­res daqui a dois anos.

MATIAS SPEKTOR

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