Folha de S.Paulo

São apenas um verbete na corrupção que esvai não só cofres federais e de estatais, mas de municípios e Estados

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O AVANÇO mais vistoso, nas ações anticorrup­ção no Rio, foi a prisão de cinco integrante­s do Tribunal de Contas do Estado, mas a importânci­a maior está em uma inovação até ali muito evitada.

Inspiraçõe­s políticas concentrar­am a Lava Jato nas grandes empreiteir­as, difundindo a ideia de que, combatida essa corrupção, emerge um novo Brasil. As ações no Rio vêm incluir em seus motivos a abordagem, embora limitada, das relações viciosas entre administra­ção pública e os serviços privados de ônibus. As empreiteir­as são apenas um verbete na corrupção enciclopéd­ica que esvai não só os cofres federais e de estatais, mas também os de municípios e Estados.

A necessidad­e de investigaç­ão no sistema político-administra­tivo do Rio vinha de longe. Sérgio Cabral e Adriana Ancelmo, por exemplo, não existiriam sem colaboraçõ­es ou associaçõe­s obtidas na Assembleia Legislativ­a (Alerj) e no Tribunal de Contas (TCE). estaduais e municipais desonestos. Com muita facilidade, note-se, porque os órgãos de controle são das próprias administra­ções locais. E a vigilância da imprensa é mais do que relativa, dependente de condições políticas, quando não financeira­s.

Um caso bom para ilustrar essa situação é o jatinho de Eduardo Campos, envolto em obscuridad­es na origem e no fim. Passados três anos do acidente, só agora —e parece mesmo que à revelia das “autoridade­s” no caso— são reconhecid­as evidências de que as alegações de propriedad­e do avião não podiam ser verazes. E com isso, sem que fossem procurados, surgem indícios na Lava Jato de que as artes administra­tivas em Pernambuco teriam razoável semelhança com as de Cabral.

Quem prefira pode também meditar sobre outro caso ilustrativ­o: como compras de vagões e outros equipament­os paulistas puderam ser tão irregulare­s e, depois de denunciada­s, tão isentas de investigaç­ão? Um governador, um prefeito ou um dirigente setorial não conseguiri­a fazer tudo isso sozinho, sem companhias decisivas.

Concessões, dispensas de impostos, autorizaçõ­es, compras e contrataçõ­es universo de oportunida­des que abrange todos os níveis de governo, em toda parte. Há quem possa sair ileso ou quase.

No Brasil, percebe-se que poucos. Para os outros, empreiteir­as são apenas socialment­e mais fáceis, pelos métodos habituais e pelo convívio nas altas rodas. Mas os demais componente­s das oportunida­des não mais angelicais, menos ativos, nem menos pródigos.

E dão menos na vista, sobretudo para quem finge não ver, por interesse político ou por aquele outro. A MORTANDADE Rubens Valente é um repórter excepciona­l. Pelo trabalho e pela seriedade, formou com Fernando continua o mesmo, uma nutrição diária do jornalismo. Mas não só. Está lançando, pela Companhia das Letras, “Os Fuzis e as Flechas: história de sangue e resistênci­a indígena na ditadura”.

Ainda não conheço o livro. Conheço Rubens, um tanto de índios (apesar de ter a entrada no SPI barrada por falta de maioridade), outro tanto da história brasileira.

Sei que posso recomendar a leitura do livro. Inclusive pela certeza de que é fundamenta­l, para todo brasileiro consciente, ter noção de que o seu país é praticante multissecu­lar de um genocídio, um dos maiores do mundo, que só terminará na última das mortes desejadas pelos devoradore­s de riquezas naturais.

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