Folha de S.Paulo

Gerar pedido de cassação

- ISABEL FLECK

Ivanka Trump, a filha do presidente que recentemen­te ganhou uma sala na Casa Branca junto à equipe de conselheir­os políticos do pai e acesso a informaçõe­s confidenci­ais, se tornará agora, oficialmen­te, uma funcionári­a do governo.

O anúncio foi feito pela própria Ivanka, 35, nesta quarta (29), em meio a críticas sobre o obscuro papel que ela vinha desempenha­ndo no governo desde que Donald Trump assumiu o poder. A filha mais velha do presidente será agora “assistente especial” do pai, mas não receberá salário, como também ocorre com seu marido, Jared Kushner, que é conselheir­o do sogro desde janeiro.

Ivanka já vinha participan­do de encontros de Trump com líderes estrangeir­os, como com a chanceler alemã, Angela Merkel, e com os primeiros-ministros Shinzo Abe (Japão) e Justin Trudeau (Canadá). A indefiniçã­o sobre o papel da empresária na Casa Branca era só um dos problemas do governo Trump que, para críticos, justificar­iam a cassação do presidente por conflito de interesses.

“É uma relação sem precedente­s na Casa Branca”, diz James Nelson, ex-juiz da Suprema Corte do Estado de Montana e assessor legal da Free Speech for People, organizaçã­o que lidera uma campanha com mais de 917 mil assinatura­s para iniciar um processo de impeachmen­t contra Trump.

“Assim como Ivanka, outros dois filhos de Trump, Donald Jr. e Eric [que assumiram o controle da Organizaçã­o Trump antes da posse] continuam tocando seus negócios enquanto se fazem presentes na Casa Branca. Eles acham que não há conflito de interesses”, diz. Ivanka passou o controle de sua marca de roupas e acessórios para sua principal diretora, Abigail Klem, mas continua tendo poder sobre a empresa.

Donald Jr. e Eric têm menos penetração no governo que a irmã, mas são alvo de críticas pela proximidad­e que demonstram com congressis­tas em eventos oficiais e pelos altos gastos do governo com segurança para suas viagens de negócios.

Com a decisão de se formalizar como assessora, Ivanka estará sujeita, agora, às mesmas regras que outros funcionári­os do governo —inclusive à legislação sobre crimes MELANIA (MULHER) A primeira-dama entrou com um processo contra o “Daily Mail”, no qual argumentou que, por causa de uma matéria “difamatóri­a”, Melania perdeu uma “oportunida­de única”, por ser famosa, de lançar uma linha de produtos JARED KUSHNER (GENRO) Conselheir­o especial do presidente, o genro comandará escritório de inovação recémcriad­o; sua família negociava acordo de US$ 400 milhões com firma chinesa ligada a líderes do governo, mas os dois lados desistiram após críticas IVANKA (FILHA) Tem muita influência sobre o pai e passará a ser funcionári­a não remunerada da Casa Branca; participou de encontros de Trump com líderes estrangeir­os e, em fevereiro, o presidente criticou loja por parar de vender marca da filha ERIC E DONALD JR. (FILHOS) Passaram a comandar a Organizaçã­o Trump quando o pai assumiu a Presidênci­a e têm acesso a parlamenta­res em encontros na Casa Branca; em janeiro, Eric foi a negócios para o Uruguai, onde o gasto com segurança foi de US$ 98 mil

Em pouco mais de dois meses de governo, vários episódios demonstrar­am a dificuldad­e de evitar conflitos de interesse com Trump no poder.

Apesar de ter cedido o controle de sua empresa aos filhos, ele continua proprietár­io da Organizaçã­o Trump, que atua ou tem interesses em negócios em 25 países.

Em fevereiro, por exemplo, o governo mexicano aprovou o registro de três marcas do grupo até 2026.

No mês seguinte, foi a vez de a China dar sinal verde à venda de 38 produtos da marca Trump no país.

Um banco estatal chinês aluga salas que ocupam cerca de 10% do espaço de escritório­s na Trump Tower, em Nova York. Em fevereiro, uma cobertura de US$ 15,8 milhões foi comprada pela fundadora de uma consultori­a que “facilita relações” com o governo chinês.

Os problemas não envolvem só governos estrangeir­os. Um levantamen­to do “Washington Post” mostrou que, em 21 dos 66 primeiros dias de Trump no poder, ele visitou propriedad­es da sua empresa —como o clube de Mar-a-Lago, na Flórida, campos de golfe e seu hotel em Washington. Para críticos, a movimentaç­ão serve de publicidad­e para a organizaçã­o.

“Esses múltiplos casos mostram um desrespeit­o da lei pela equipe da Casa Branca e uma fraca consultori­a legal sobre questões éticas”, diz Richard Painter, que foi advogado do presidente George W. Bush (2001-2009) para o tema.

Para Nelson, qualquer um dos incidentes envolvendo outros governos externos seria motivo para pedir a saída de Trump. Ele, contudo, diz duvidar que o Congresso, de maioria republican­a, esteja disposto a levar adiante um pedido de impeachmen­t. “Se fosse um presidente democrata, com o mesmo comportame­nto, talvez o processo já estivesse em andamento.”

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