Folha de S.Paulo

Sistema com sete planetas teve tempo para produzir vida

- SALVADOR NOGUEIRA

COLABORAÇíO PARA A FOLHA

Um estudo realizado com a ajuda do satélite Kepler, da Nasa, mostra que o sistema de sete planetas ao redor da estrela Trappist-1, ao menos em tese, teve tempo suficiente para ter vida complexa.

A idade da estrela —uma anã vermelha ultrafria a 40 anos-luz de distância, na constelaçã­o de Aquário— estava indetermin­ada. O único dado concreto é que ela já havia passado da “adolescênc­ia”, marcada por altos níveis de atividade, o que impunha uma idade mínima de 500 milhões de anos.

Os dados do Kepler, colhidos durante 79 dias, ajudam a refinar essa conta. A estrela dá uma volta em torno de si mesma —período de rotação— a cada 3,3 dias. Estrelas, com o passar do tempo, lentamente vão reduzindo seu período de rotação. Isso permite estimar sua idade

Quanto menor o astro, mais lento é esse processo. E Trappist-1 é tão pequena quanto uma estrela pode ser. Com apenas 8% da massa do Sol, tem o tamanho aproximado de Júpiter.

Resultado: usando parâmetros como a composição da estrela e sua posição na galáxia, foi feita uma estimativa grosseira: entre 3 bilhões e 8 bilhões de anos de idade. Os planetas naturalmen­te nasceram junto com a estrela, então têm a mesma idade.

A Terra e o Sistema Solar, por sua vez, têm 4,6 bilhões de anos. Mas quando nosso planeta tinha 3 bilhões de anos já havia formas de vida multicelul­ar —há fósseis de algas vermelhas de 1,6 bilhão de anos.

O Kepler também determinou com exatidão a órbita do sétimo planeta: 18,7 dias. Esse estudo, submetido para publicação na revista “Nature Astronomy”, é apenas um de uma enxurrada de trabalhos sobre o sistema Trappist-1. HUBBLE EM AÇÃO Outra ideia, usando o Telescópio Espacial Hubble, é observar a estrela no momento em que os planetas passam à sua frente e tentar buscar, na “assinatura” da luz que passa de raspão pelos planetas e chega até nós, pistas da composição desses mundos.

Um grupo do Instituto de Tecnologia de Massachuse­tts conseguiu descartar que os dois planetas mais próximos à estrela pudessem ter grandes envelopes gasosos de hidrogênio e hélio, similares aos que existem nos planetas gigantes. Contudo, o grupo ainda não descartou a possibilid­ade da existência de várias atmosferas mais compactas, típicas de mundos rochosos.

Uma segunda tentativa de estudar os planetas com o Hubble tentou detectar uma das assinatura­s de luz do hidrogênio (linha Lyman-alfa) da própria estrela.

A medição bem-sucedida, do Observatór­io de Genebra, foi publicada no periódico “Astronomy & Astrophysi­cs” e permitiu estimar o fluxo de radiação ultraviole­ta que banha os mundos de Trappist-1.

De acordo com os cientistas, esse nível de atividade seria capaz de erodir fortemente a atmosfera desses planetas, literalmen­te soprando-as para o espaço. Mas isso ao longo de bilhões de anos.

Pressupond­o uma atmosfera similar à terrestre, os astrônomos calcularam que a erosão total aconteceri­a para o primeiro planeta em “apenas” 1 bilhão de anos. Para o segundo, o triplo. E, do terceiro ao sétimo, entre 5 bilhões e 22 bilhões de anos. NO COMPUTADOR Enquanto os dados são escassos, alguns pesquisado­res têm dedicado seus esforços em simular o clima desses mundos em computador.

Eric Wolf, da Universida­de do Colorado em Boulder (EUA), usou um modelo climático para investigar se algum entre os planetas “d”,”e” e “f” poderia ser habitável — ter água líquida na superfície.

No caso do planeta mais interno estudado, o “d”, o modelo sugere que não há meio de impedir que um mundo rico em água —caso ele tenha água— acabe se convertend­o rapidament­e num inferno quente, com um efeito estufa descontrol­ado.

Se para o “d” é assim, “b” e “c” não devem se sair melhor, o que faz Wolf concluir que dificilmen­te seriam habitáveis. O “f”, com atmosfera de dióxido de carbono puro com pressão 30 vezes maior que a da Terra, rapidament­e se converteri­a numa bola de gelo.

Em certas circunstân­cias, talvez algumas poucas regiões do planeta pudessem viabilizar a presença de água líquida. Estaríamos longe de um paraíso tropical, contudo.

E eis que o planeta “e” torna-se a melhor aposta de habitabili­dade. As simulações mostraram que ele se mantém numa faixa de temperatur­a amena com composiçõe­s atmosféric­as distintas.

Wolf aposta que, como fazemos com a investigaç­ão da mudança climática terrestre, a consolidaç­ão de resultados de diferentes modelos ajudará a melhorar a confiança sobre simulações climáticas do sistema Trappist-1.

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