Filme assustador tem acesso total à prisão e ao seu entorno
Descobri que para as lideranças valia muito [estar ali], apesar de sofrerem com a superlotação. O lucro vale a pena. O resto vê nas lideranças o único apoio, os admiram muito. Sentem que são explorados, quem vai apoiá-los? A liderança da facção ocupa também o lugar do Estado. Dá bens e garante a segurança.
FOLHA
Em 2008, uma CPI no Congresso definiu o Presídio Central de Porto Alegre como a pior penitenciária do Brasil.
O documentário “Central” mergulha nesse lugar infernal. O principal mérito do longa de Tatiana Sager e Renato Dornelles é o acesso total que a produção teve ao interior da penitenciária e às pessoas que orbitam no local: encarcerados e familiares, carcereiros, promotores e especialistas em segurança pública do RS.
O resultado é assustador para quem não conhece a realidade prisional do Brasil: o filme mostra como o Central funciona num regime de gestão “compartilhada”.
Para atenuar a superlotação, celas ficam abertas e presos podem circulam nas galerias. Nos pavilhões, quem manda são as facções, com a anuência da Brigada Militar que administra o complexo.
“Estamos ratificando lideranças criminosas”, diz a certa altura o major Dagoberto Albuquerque, e o doc expõe os efeitos dessa chancela ao crime. No Central, relatam os entrevistados, o tráfico de drogas e armas rola solto, as facções cobram mensalidades de seus membros, dependentes endividados são submetidos a overdoses forçadas e quem sai da linha é espancado.
Em seus momentos mais interessantes, o filme exibe imagens captadas pelos presos, num recurso usado em “O Prisioneiro da Grade de Ferro” (2003), de Paulo Sacramento, que amarrava autorretratos de detentos do Carandiru.
“Central” não chega a mostrar a produção de drogas vista em “Prisioneiro” nem tem a mesma força poética de algumas imagens daquele filme, mas leva à tela uma festa com cocaína na noite de Natal, um rap de mascarados para celebrar a ascensão de uma facção e as despensas dentro das galerias em que os presos estocam comida.
O filme aborda ainda a força dessas facções fora da cadeia, usando familiares e detentos em regime semiaberto em tráfico, roubos e prostituição. É um alerta para quem pensa que o problema dos presídios se encerra em si. DIREÇÃO Tatiana Sager e Renato Dornelles PRODUÇÃO Brasil, 2016, 14 anos QUANDO estreia nesta quinta (30) AVALIAÇÃO bom