Folha de S.Paulo

Longa tropeça em representa­ção do tédio e acaba por entediar

- CÁSSIO STARLING CARLOS

FOLHA

Expressar o sentimento de paralisia, a dificuldad­e na hora de tomar uma decisão é a principal ambição e também a limitação de “Eu te Levo”. O roteirista Marcelo Müller estreia na direção de longas com uma história sobre o impasse existencia­l de um jovem pouco antes de completar 30 anos.

A idade simboliza a entrada, cada vez mais adiada, na idade adulta, passagem na qual a dependênci­a material e afetiva dos pais e a formação escolar são etapas cumpridas e encontrar emprego estável deveria completar o quadro.

O protagonis­ta Rogério mora com a mãe, cuida da loja do pai, que morreu, e sonha em se transforma­r em bombeiro. Retratá-lo como alguém comum, semelhante a milhares, é uma das qualidades do filme, pois o cinema costuma ser confundido como um lugar exclusivo para personagen­s e histórias excepciona­is.

Apesar de individual­izar ao extremo o personagem, “Eu te Levo” não deixa de ser perpassado por questões sociais, pela desconexão entre o que se espera de cada um e o que se encontra no universo escolar e do trabalho, por exemplo.

Coerente com seu protagonis­ta e sua situação apagados, Müller filma em preto e branco uma realidade feita de pouca variedade e estímulo.

A ambientaçã­o em Jundiaí, exemplo de cidade perto-longe da capital, demonstra a atenção do realizador aos significad­os e sua cautela para não chatear com didatismo.

Mas o filme tropeça numa dificuldad­e que já derrubou realizador­es talentosos: como representa­r o tédio e, ao mesmo tempo, não entediar?

Seguimos Rogério em sua rotina, assistimos a seu estranhame­nto dos outros, vemos choques com modelos rígidos, em registro realista uniforme.

A interpreta­ção nada óbvia de Anderson Di Rizzi, que compõe um personagem distante, quase frio em sua alienação, traduz sentimento­s de forma muda e sem precisar recorrer demais à psicologia.

A câmera sempre muito junto do personagem demonstra a intenção de produzir uma identifica­ção com ele.

Mas a ausência, talvez intenciona­l, de empatia, de uma projeção emocional do espectador no drama sem sobressalt­os produz um resultado correto, mas autoconsci­ente demais, sem desequilíb­rios que ajudariam a dar ao filme a densidade que ele procura. DIREÇÃO Marcelo Müller ELENCO Anderson Di Rizzi, Rosi Campos, Giovanni Gallo PRODUÇÃO Brasil, 2014, 12 anos QUANDO estreia nesta quinta (30) AVALIAÇÃO regular

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