Folha de S.Paulo

- Acho que sim. É uma forma de eles terem voz. Normalment­e ninguém escuta.

- ANA LUIZA ALBUQUERQU­E

DE SÃO PAULO

É fácil entender a escolha de Tatiana Sager pelo Presídio Central de Porto Alegre como ponto de partida para o seu documentár­io. A pior penitenciá­ria do país, segundo a CPI do Sistema Carcerário (2008), tem capacidade para 1.824 detentos, mas abriga 4.549.

Ao longo das filmagens, Sager surpreende­u-se ao perceber que a superlotaç­ão a ser denunciada agradava a presidiári­os líderes das facções. Inicialmen­te, eles se opuseram ao longa para evitar que a situação fosse a público.

Cada detento ganha cerca de R$ 1.000 mensais de suas famílias, e boa parte é repassada aos líderes. “Se não, acabam devendo para a facção, o que significa que quando saírem terão que fazer coisas na rua para pagar”, explica Sager.

Ele decidiu entregar câmeras aos presos porque o controle exercido pelas facções é absoluto —duas autorizara­m a entrada do equipament­o.

Nas imagens, é possível constatar a superlotaç­ão, que impede que as celas sejam fechadas, e o uso de drogas. O recurso já havia sido utilizado por Paulo Sacramento, em “O Prisioneir­o da Grade de Ferro”, documentár­io sobre o antigo presídio do Carandiru, palco do massacre que matou mais de cem em 1992.

O material colhido por Sager, com codireção de Renato Dornelles, deve originar uma série. Leia abaixo trechos da entrevista com a diretora. Folha - Os detentos veem no documentár­io uma forma de mudar a situação em que vivem?

Tatiana Sager O que mais te surpreende­u? O audiovisua­l funciona melhor do que o texto para denunciar violações de direitos?

Cada um cumpre o seu papel. O audiovisua­l me deu a possibilid­ade de um trabalho mais elaborado. Há mais de um ano exibo o filme toda semana na Fundação de Atendiment­o Socioeduca­tivo [instituiçã­o para adolescent­es infratores].

Eles acreditava­m que o “Central” seria uma ascensão, mas os monitores comentam que desde então a visão mudou um pouco. [Fiz o filme] para mostrar à sociedade e aos meninos. Nesse ciclo vicioso, quanto mais gente entra na prisão mais piora o crime.

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