Folha de S.Paulo

Ex-presidiári­o, ator de teatro iniciou carreira como faxineiro

Junior Mazzini, 28, será protagonis­ta ‘Pessoas Brutas’, que estreia em abril

- MARIA LUÍSA BARSANELLI

Para participar da peça, determinou-se que ele fizesse aulas de alfabetiza­ção com colegas da companhia DE SÃO PAULO

Alex de Jesus conheceu Junior Mazzini há quatro anos nos campinhos de futebol de Filhos da Terra, bairro no extremo norte de São Paulo. Alex tinha 14 anos e era o mais novo do time, o “Catatau”.

Junior, dez anos mais velho, admirava Alex e seu trabalho na companhia Os Satyros. Queria “mudar de vida” e pediu ao colega que lhe arranjasse um trabalho no grupo teatral da praça Roosevelt. Estava cansado dos bicos como ajudante de pedreiro.

Alex conheceu Os Satyros por ironia. Foi preso por furtos e passou dois meses na Fundação Casa. Réu primário, ficou em liberdade assistida e teve de fazer teatro na escola como atividade complement­ar. “Foi treta no começo”, lembra ele, que não gostava.

A peça que montaram, “Interferid­os”, esteve em 2014 no Satyrianas, festival anual promovido pela companhia, e Alex acabou tomando gosto.

Entrou para o Satyros Teens, que desde 2009 dá aulas de artes cênicas para alunos de escolas públicas e já atuou em três espetáculo­s do grupo. Em 2016, ao saber que Junior procurava emprego, indicou-o para faxineiro do Satyros.

Junior se perdeu no primeiro dia; só conseguiu chegar no segundo, ensopado de chuva. Não sabia andar no centro. “Se fosse que nem hoje, assim, eu juntava as palavrinha e conseguia ler [as placas]”, conta ele, que é analfabeto.

Aos 9, ele ficou ao cuidado das três irmãs, a mais velha então com 14 anos. O pai “vivia mexendo com droga” e guardava entorpecen­tes em casa. A mãe acabou sendo presa com ele. Vagava pelas ruas, onde traficante­s lhe davam comida. “Falavam: ‘Que escola, você é o homem da casa’. O tempo foi passando, fui ficando sem estudo.”

Pelas suas contas, foi preso “umas sete vezes” desde os 12 —às vezes por roubos, outras por nada. “De tanto que era visado, tem vezes que ia porque era você mesmo.”

Aos 13, jogava fliperama num bar quando se viu no meio de um tiroteio. Guarda no peito e na barriga as marcas de três balas. Teve sete filhos, de seis mulheres. O mais velho, Ezequiel, tem 11. Samuel, o mais novo, 2. BICHO Junior não conhecia teatro quando foi aos Satyros. “Quando chegou, era um bicho. Um cara muito bruto, mal-encarado”, diz Ivam Cabral, um dos diretores da companhia. “Era uma máscara.”

Da coxia, Junior chamou atenção ao repetir falas da peça “Vida Bruta”. Já estava nos planos do grupo criar “Pessoas Brutas”, fechando uma trilogia com “Pessoas Perfeitas” (2014) e “Pessoas Sublimes” (2016). Junior e Alex viraram protagonis­tas da peça.

Eles fazem traficante­s e, apesar de não ser biográfico, o texto, que estreia em abril, foi moldado pela vida deles. “Quando interpreta­m isso, tem muita verdade”, diz Ivam.

“Queríamos falar um pouco do Brasil hoje. De como tem tanta gente que não tem opção senão ir para o crime”, conta Rodolfo García Vázquez, também diretor do Satyros.

Para participar da peça, determinou-se que a dupla estudasse. Alex, 18, hoje o cursa o segundo ano de direito na Unip. “Mas é só um plano B, quero mesmo é viver de arte.”

Junior, aos 28, aprende a ler com atores da companhia em aulas de uma hora. Está estudando com o texto da peça, que primeiro decorou só ouvindo, como as falas que balbuciava escondido na coxia.

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