Folha de S.Paulo

Longe do mar, Alter do Chão leva vida de cidade praiana

Distrito de Santarém (PA) oferece faixas de areia branca no meio da selva

- SIMON ROMERO

Ao longo do rio Tapajós, lugar tem degustação de formigas e vista de montanhas cobertas por floresta tropical

Mesmo longe do mar, num canto remoto da selva amazônica, Alter do Chão (PA) merece ser classifica­da como uma das mais atraentes cidades de praia do planeta.

As praias de areia branca ao longo do rio Tapajós atraem visitantes que vêm de carro de lugares distantes. As águas claras e quentes atraem mergulhado­res e praticante­s de paddle boarding.

Você quer só descansar? Acomode-se, tome uma cerveja Tijuca gelada e contemple o pôr do sol sobre as montanhas cobertas de florestas e repletas de animais como preguiças e bugios.

Em uma viagem de trabalho à Bacia Amazônica, meses atrás, escapei por alguns dias para Alter do Chão. Em um país com mais de 7.000 km de costa, fiquei imaginando se uma das melhores praias brasileira­s podia mesmo estar localizada no interior selvagem da maior floresta tropical do planeta.

“Se você quiser experiment­ar a verdadeira Alter, precisa comer formigas”, explicou Pitó, 55, um índio cumaruara que guia turistas em excursões pela selva. Ele apanhou uma saúva no chão da floresta e me desafiou a comê-la. Crocante como pipoca, a formiga era deliciosa, com um toque de capim-limão.

Eu não podia ter pedido guia melhor que Pitó, cujo nome completo é Raimundo Gilmar Faria da Costa. Em algumas horas, ele me ensinou a caçar com arco e flecha, navegar de canoa, pescar com um arpão, extrair látex de uma seringueir­a e até mesmo a falar algumas palavras em nheengatu, a língua franca dos indígenas que persiste há séculos em toda a Amazônia.

“Aposto que você não faz nada disso em Ipanema”, brincou Pitó sobre a lendária praia do Rio, a cidade onde moro há seis anos.

E Pitó estava certo. Para uma experiênci­a singular de praia no Brasil, é preciso viajar a Alter, que parece um oásis vagaroso de tranquilid­ade em um país tenso por conta de uma prolongada crise econômica, escândalos de corrupção colossais e crescente polarizaçã­o política.

Alter nem sempre foi vista como uma cidade de praia no meio da selva. Pedro Teixeira, explorador português que comandou expedições na Amazônia com o objetivo de escravizar os indígenas, estabelece­u um entreposto colonial no local em 1626.

Mas por séculos Alter se manteve isolada, atraindo apenas moradores da cidade de Santarém, que é próxima, e ocasionais aventureir­os.

O naturalist­a britânico Henry Walter Bates (18251892) visitou a área nos anos 1850 e a descreveu como “um lugar negligenci­ado, devastado pela pobreza”. “As casas da aldeia estão infestadas de animais daninhos; morcegos nos telhados de palha, formigas de fogo sob os assoalhos; baratas e aranhas nas paredes”, escreveu.

A despeito dessas preocupaçõ­es, Bates começou a gostar do lugar; as praias de Alter o ajudavam a refletir, depois de dias de pesquisa na selva ao redor sobre o mimetismo animal, com resultados que ajudaram a sustentar a teoria da evolução de Charles Darwin (1809-1882).

“A luz suave e pálida”, escreveu Bates em “The Naturalist on the River Amazons”, “pousando sobre as largas praias arenosas e os barracões com telhados de palha, reproduz o efeito de uma cena de inverno no gélido norte, quando uma camada de neve recobre a paisagem”.

Inverno não foi a primeira coisa em que pensei ao percorrer a pé as ruas ensolarada­s de Alter. No calor, as pessoas usam a mesma moda de praia que prevalece no Rio, de biquínis a calções largos.

A praça arborizada é um lugar acolhedor, com vendedores oferecendo travessas de açaí acompanhad­a por tapioca. Nos restaurant­es, os visitantes saboreavam pratos de peixes amazônicos como o pirarucu e o tucunaré.

“Aqui é pacífico e mágico, não se parece com de onde viemos”, disse Alexis Álvarez, 29, tatuador venezuelan­o que se mudou para Alter recentemen­te com a mulher, professora, e com a filha de um ano, buscando refúgio no Brasil depois de sofrer com a escassez de comida e remédios causada pela crise econômica da Venezuela.

“Em Alter, nos sentimos em casa”, disse Álvarez, explicando que ele e a mulher se sustentam vendendo as bijuterias que fazem. “Acho que estamos aqui para ficar”.

O explorador e escritor Alex Shoumatoff ficou encantado com Alter quando a visitou em 1977, descrevend­o-a como “o primeiro lugar que procuraria quando enfim desistir de tentar me encaixar no mundo moderno”.

Mas as coisas mudam rápido na Amazônia. Com a conclusão da rodovia que atravessa a bacia do rio, Shoumatoff voltou em 1984 e encontrou Alter irreconhec­ível, com adolescent­es “bebendo CocaCola, fazendo esqui aquático, circulando em jipes com santantôni­os, imitando Michael Jackson e ouvindo sua música em toca-fitas”. PAULO MIGLIACCI

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