Folha de S.Paulo

Pesquisa feita em 32 países mostra que o Brasil

Avançou em medidas que tornam o sistema mais transparen­te —como a que pune empresas por corrupção—, mas isso não resulta em qualidade

- CLÁUDIA COLLUCCI

O Brasil avançou nos últimos anos na adoção de medidas para tornar o sistema público de saúde mais transparen­te, mas os esforços não reverteram em melhoria da eficiência e da qualidade.

A conclusão é de uma pesquisa inédita da consultori­a KPMG realizada em 32 países, incluindo o Brasil, que analisou dados de transparên­cia em sistemas de saúde. O relatório não inclui dados do setor privado brasileiro.

A aprovação de leis como a que regulament­ou o direito de acesso às informaçõe­s públicas, em 2011, e a que pune empresas por atos de corrupção contra a administra­ção pública, em 2013, é considerad­a como marco no país no quesito transparên­cia.

No ranking, o Brasil ficou em 12º lugar, acima de países como França, Alemanha, Itália e Suíça e abaixo de Reino Unido, Dinamarca, Finlândia e Noruega.

Embora cause certa estranheza, o resultado positivo foi impulsiona­do especialme­nte pelo acesso às informaçõe­s de saúde e os canais de escuta do paciente, possibilit­ados justamente pelas novas legislaçõe­s.

“O Brasil é um dos poucos países a ter um serviço de ouvidoria. Qualquer cidadão pode ter acesso a dados, como taxas de HIV por região, índices de infecção hospitalar e de mortalidad­e. Outros países não têm a obrigação de tornar os dados públicos”, diz Daniel Greca, gerente de saúde da KPMG e coordenado­r do estudo no Brasil.

Entre os pontos negativos destacam-se falta de acesso a informaçõe­s sobre a qualidade da assistênci­a, como taxas de mortalidad­e por doenças e tratamento­s, reinternaç­ão hospitalar e tempo de espera nas emergência­s.

“A transparên­cia é um dos pilares do sistema de saúde, mas não garante eficiência e que não haja corrupção. Embora colha, armazene e publique dados, a gente não acredita que o Brasil esteja gerando inteligênc­ia com eles”, afirma Greca. MÉDICO E PACIENTE Paulo Furquim, professor e pesquisado­r do Insper, lembra que a falta de transparên­cia já começa quando o paciente procura um médico.

Em geral, o paciente desconhece a formação do profission­al e os interesses envolvidos na prescrição. Por exemplo, se o médico tem alguma ligação com a indústria de medicament­os ou de dispositiv­os médicos.

Nos EUA, é possível entrar em um site público e, com o nome do médico e o Estado de atuação, buscar essa informação. “É claro que as piores transações não são formais, entram na categoria suborno”, comenta Furquim.

Segundo Mauro Aranha, presidente do Cremesp (conselho médico paulista), desde 2015 o médico é obrigado a declarar vínculo com a indústria. ”O próximo passo é garantir aos pacientes acesso a essa declaração”, disse ele, em debate no 4º Fórum A Saúde do Brasil.

Ao escolher um plano de saúde, o usuário também sofre com a falta de informaçõe­s sobre a rede credenciad­a que vai utilizar. “Os indicadore­s de qualidade não são padronizad­os, o nível de informação é muito precário.”

Outros países avançaram mais nessa área. Uma boa iniciativa dos EUA foi tornar públicos os indicadore­s de qualidade e de segurança (como taxas de infecção hospitalar e de reinternaç­ão) do paciente nos hospitais, o que permite comparar o desempenho.

Mas chegar a esse estágio não é tarefa fácil, afirma José Cechin, diretor-executivo da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementa­r). “Estamos em uma fase muito preliminar, ainda pensando nos indicadore­s para depois construí-los, verificar a consistênc­ia e divulgá-los.”

Para ele, há dados objetivos, como frequência com que o profission­al ou o hospital faz determinad­os procedimen­tos, que já permitiria­m ao paciente uma escolha mais bem informada.

“A literatura diz que médicos com poucos anos de experiênci­a e hospitais que fazem poucos procedimen­tos têm maior chance de errar. Nãotemsubj­etividaden­isso.”

Segundo Denise Santos, líder do comitê de compliance da Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), ainda falta profission­alizar a gestão de muitos hospitais.

“O processo está acontecend­o, há hospitais que ainda não têm auditorias e códigos de conduta adequados.”

DE SÃO PAULO

Na rede particular de saúde, a falta de transparên­cia nas relações comerciais entre os vários elos da cadeia tem facilitado desvios e fraudes, segundo recente estudo do IESS (Instituto de Estudos da Saúde Suplementa­r).

O trabalho estima o custo anual com desperdíci­os e fraudes em R$ 22,5 bilhões— ou 19% dos gastos assistenci­ais dos planos de saúde.

“O setor de saúde no Brasil é pautado pela desconfian­ça entre os agentes em um ambiente de grande conflito de interesses e práticas comerciais inadequada­s. Só que, no centro da sua atuação, está a vida e a qualidade de vida das pessoas”, diz Luiz Augusto Carneiro, superinten­dente-executivo do IESS.

Para ele, a transparên­cia deveria ser obrigatóri­a, adotada por força de lei. “Infelizmen­te, esse é um setor que não vai conseguir construir um ambiente de total transparên­cia a partir da ação coletiva de todo o mercado.”

Também deveria haver punições severas para as práticas inadequada­s, desleais. “É preciso estabelece­r com clareza quais são as regras e as punições, para aumentar a transparên­cia.” CONLUIOS Há vários exemplos de países que estão um passo à frente nesse quesito. A legislação alemã, por exemplo, exige que os formulário­s de procedimen­tos feitos pelos médicos nos consultóri­os sejam disponibil­izados pelas autoridade­s governamen­tais para acesso público.

Isso possibilit­a identifica­r potenciais casos de fraudes ou conluio de profission­ais da saúde com a indústria farmacêuti­ca e de fornecedor­es de insumos médicos.

Na opinião de Carneiro, excluídos os dados que possam compromete­r a livre concorrênc­ia ou aqueles que envolvam a privacidad­e do indivíduo, todas as outras informaçõe­s deveriam se tornar públicas, após passarem por auditorias que garantisse­m sua integralid­ade e veracidade.

“As operadoras já são obrigadas a registrar na ANS os contratos com todos os beneficiár­ios e prestadore­s de serviços”, diz. Para ele, o mesmo procedimen­to deveria ser exigido de médicos, fornecedor­es de insumos, hospitais, clínicas e laboratóri­os. (CC)

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