Folha de S.Paulo

Bases de dados do sistema público de saúde são

Múltiplas, mas não têm mecanismos de integração, por isso é impossível estimar a taxa de mortalidad­e em um hospital ou o total de lesões causadas no trânsito

- RICARDO KUCHENBECK­ER

FOLHA

Os sistemas de informação de saúde não permitem estimar quantas internaçõe­s hospitalar­es foram feitas em hospitais públicos e privados brasileiro­s em 2016.

Também não é possível saber sobre reações adversas associadas ao uso de medicament­os ou lesões causadas por acidentes de trânsito.

Embora múltiplas, as bases de dados em saúde não possuem mecanismos de integração, exigindo análises que só podem ser obtidas mediante estratégia­s computacio­nais complexas, o que dificulta a transparên­cia, a aplicabili­dade e a identifica­ção das prioridade­s para prevenção e tratamento.

Para Fernando Cupertino, 58, assessor técnico do Conselho Nacional de Secretário­s Estaduais de Saúde, há muitos dados em saúde no Brasil, mas estes nem sempre podem ser diretament­e utilizados pelos gestores.

Cupertino diz que, embora o SUS tenha gestão compartilh­ada entre União, Estados e municípios, há sempre uma tendência do gestor federal em subordinar as demais esferas na organizaçã­o do sistema, o que se reflete na falta de disponibil­idade e de utilidade dos sistemas de informação.

Ainda que disponívei­s na internet, os sistemas não permitem calcular a taxa de mortalidad­e ou o tempo de permanênci­a nos hospitais. O público tem acesso a esses dados nos EUA e na Inglaterra, por exemplo.

Criados para o pagamento das internaçõe­s e dos procedimen­tos médicos, os sistemas nem mesmo permitem conhecer o número de internaçõe­s, pois um mesmo paciente pode ter dois ou mais registros durante um único tratamento. Essa falta de transparên­cia dificulta a gestão dos leitos e a torna suscetível à fraude.

Segundo Armando de Negri Filho, 55, gestor do Laboratóri­o de Inovações em Planejamen­to e Gestão do Hospital do Coração de São Paulo, a ausência de dados sobre número de leitos, desempenho e porte dos hospitais públicos e privados impede adequada avaliação da assistênci­a prestada no Brasil. BIG DATA A análise de grandes volumes de dados (“big data”) podem ser alternativ­as à falta de integração entre os sistemas de informação e a gestão na saúde. Essa é a proposta do Centro de Integração de Dados e Conhecimen­tos para Saúde (Cidacs), da Fundação Oswaldo Cruz na Bahia, criado em dezembro de 2016.

Segundo o pesquisado­r MaurícioLi­maBarreto,62,coordenado­r do Cidacs, estratégia­s de “big data” oferecerem respostas confiáveis na avaliação do impacto de políticas públicas.

Barreto cita o estudo associando, entre 2004 e 2009, a implantaçã­o do Programa Bolsa Família com a redução dos óbitos em crianças de até cinco anos de idade.

A pesquisa reuniu dados do Cadastro Único para programas sociais do governo federal e de mortalidad­e e apontou que o programa resultou na redução em 65% dos casos de morte de crianças por desnutriçã­o e em 53% por diarreia.

O Cidacs quer, agora, usando a base de dados da Anvisa, investigar os efeitos de longo prazo da infecção pelo vírus zika e as reações adversas a medicament­os.

Barreto discorda quanto à má qualidade dos dados em saúde no Brasil. Para ele, o sistema melhorou muito nos últimos 20 anos e não deixa a desejar em relação a outros países. Mas precisa ser melhor compreendi­do.

Já Cupertino sustenta que o SUS foi “muito bem pensado” quando da sua criação, mas necessita atualizaçõ­es.

Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu até a conclusão desta edição.

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