Folha de S.Paulo

Pesquisa mostra que check-up de

Rotina não evita mortalidad­e nem evolução de doença cardiovasc­ular e câncer; tecnologia reduz testes e tratamento­s inúteis, dizem médicos

- IARA BIDERMAN

FOLHA

Os exames para identifica­ção precoce de doenças estão cada vez mais complexos, modernos e acessíveis.

Mas os check-ups não previnem muita coisa, afirma Rodrigo Lima, diretor da SBMF (Sociedade Brasileira de Medicina de Família).

Lima não está sozinho. Uma meta-análise (revisão de vários estudos) da rede global Cochrane, que avalia a efetividad­e de procedimen­tos na área de saúde, mostra que check-up de rotina não reduz a mortalidad­e nem a evolução relacionad­as a problemas cardiovasc­ulares, câncer e doenças em geral.

As conclusões do estudo da Cochrane vieram da revisão de 14 pesquisas, com 182.880 participan­tes.

“Para muitas pessoas, os check-ups fazem sentido intuitivam­ente, mas a experiênci­a com programas de rastreamen­to para doenças tem demonstrad­o que os benefícios podem ser menores do que os esperados e os riscos, maiores”, escrevem os autores do estudo, de 2012.

Mesmo a eficácia de exames “clássicos”, como rastreamen­to de câncer de tireoide e próstata, está sendo questionad­a, diz Luís Correia, professor da Escola Bahiana de Medicina e autor do blog Medicina Baseada em Evidências. “Além do check-up dar sensação de segurança, há a ideia de que ‘mal não faz’. Mas pode fazer”, afirma. TRATAMENTO INÚTIL Um mal possível é levar a procedimen­tos desnecessá­rios. O estudo da Cochrane mostrou que as tecnologia­s de check-up aumentam o número de diagnóstic­os, mas podem levar a tratamento­s de doenças que não iriam prejudicar o paciente e nem provocar a sua morte.

Para Carlos Alberto Penatti, coordenado­r de check-up do grupo Fleury, os exames são instrument­os para a prevenção adequada quando feitos de forma regrada: seguindo diretrizes das sociedades médicas e indicações da avaliação clínica e com acompa- nhamento posterior.

“Quem faz check-up está preocupado com a saúde. Os resultados podem incentivar a adoção de hábitos de vida melhores. Mas não é um passe livre para garantir a saúde, o que faz isso é o acompanham­ento clínico regular”, diz.

Penatti lembra que nos últimos oito anos a tecnologia evoluiu muito. “Com informaçõe­s mais precisas dos exames, é mais fácil direcionar o paciente para os tratamento­s especializ­ados.”

O que ele vê como vantagem é mais um problema para Lima, da SBMF: “Há um fetiche por tecnologia. Fazer exames sofisticad­os virou até demonstraç­ão de status. E métodos mais precisos geram mais indicações de medicament­os desnecessá­rios”, diz.

O aumento do leque de exames precoces amplia as opções e os recursos de tratamento, na opinião de Raffael Fraga, cardiologi­sta do Alta Excelência Diagnóstic­a.

“Encarece o sistema, mas pode salvar o indivíduo. O difícil é achar o equilíbrio entre o custo e o benefício”, diz.

As novas tecnologia­s ajudam a diminuir o risco de exames e procedimen­tos desnecessá­rios, diz ele. “A mudança de paradigma é individual­izar, fazer só o necessário, baseado na história clínica e de vida da pessoa.”

Já Lima é menos otimista: “O discurso do rastreio individual­izado é bonito, mas não acontece. No mundo real, não há tempo nem dinheiro para isso.”

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