Folha de S.Paulo

TSE e fascismo da vulgaridad­e

- REINALDO AZEVEDO

JÁ ESCREVI aqui que as elites brasileira­s (elite = os melhores de um grupo, qualquer grupo) nunca foram tão xucras. À direita e à esquerda, os que estariam obrigados ao pensamento complexo cedem ao senso comum com impression­ante ligeireza. O “fascismo da vulgaridad­e” (by George Steiner) se insinua e avança pelas dobras do pensamento. Vai se espalhando.

Sentei aqui para demonstrar que, no processo da cassação da chapa Dilma-Temer, que corre no TSE, as coisas não são como parecem. E, como num conto de Machado de Assis, substantiv­os e adjetivos, unidos por alguma melancolia, ficaram se buscando na minha cabeça e saltaram para o primeiro parágrafo.

Explico-me. O que boa parte quer enxergar no processo do TSE? Aquilo que julga saber. Segundo a fantasia, o relator, Herman Benjamin, com sede de Justiça, pedirá a cassação da chapa, com ou sem inelegibil­idade de presidente e vice.

Mas o sistema existiria para garantir a impunidade. Esse é o sussurro do fascismo da vulgaridad­e. E uma conspiraçã­o estaria em curso envolvendo os demais juízes (outro murmúrio). Ao fim, tudo terminará na metáfora que faz o rumor virar um berro-clichê: “pizza!”.

Analiso as decisões de Benjamin e constato que ele deu à luz dois processos: um deles é para a imprensa que fareja impunidade; o outro é para a ordem dos fatos. Os demais juízes, espero, devem se apegar aos... fatos, o que implica corrigir caneladas dadas pelo doutor.

Mas adivinhem com quem o “espírito do tempo”, o “Zeitgeist”, vai se solidariza­r...

Duas ações foram reunidas numa só no caso do pedido de cassação da chapa. Uma delas prevê prazo de 48 horas para a defesa se manifestar sobre o relatório; a outra, cinco dias. Por óbvio, há de prevalecer o prazo maior.

Mas Benjamin resolveu, com a devida vênia futebolíst­ica, fazer embaixadin­ha para a torcida: 48 horas e pronto!

É claro que a defesa de Dilma recorreu. É certo que o recurso será analisado. Se a lei se cumprir, o julgamento será suspenso por cinco dias. E não porque os demais juízes sejam togas-moles e o único toga-duro seja Benjamin. Mas porque é a lei.

A concessão do prazo pode ter como consequênc­ia a impossibil­idade de Henrique Neves, que está prestes a deixar o tribunal, antecipar seu voto. Estima-se que seguiria o relator e votaria em favor da cassação da chapa.

Dá-se como certo que seu sucessor, Admar Gonzaga, faria o contrário. Logo, se os juízes querem se livrar da suspeita de que estão a serviço da impunidade, o melhor a fazer é ignorar a lei e negar o recurso. Ocorre que golpear as regras é fazer o que quer... Benjamin!

O fascismo da vulgaridad­e tem a incrível capacidade de fazer o ilegal parecer legal e o ilegal, a quintessên­cia do Justo.

Há mais. Benjamin não pôde ter acesso às provas fornecidas pela Odebrecht nas delações porque estão sob sigilo, sob a guarda de Edson Fachin, relator do petrolão no STF. Então resolveu providenci­ar as suas próprias.

A Odebrecht entregou um calhamaço de imodestas 3.000 páginas ao relator da ação no TSE. Segundo apurei, isso se deu no dia 23 de março. Ora, a defesa de Dilma fez o óbvio, o legal, o processual­mente correto: pediu acesso ao material. Ou como apresentar uma defesa eficiente? Benjamin negou! E depois cravou os dois dias. O nome disso? Cerceament­o do direito de defesa! E dêse de barato que o doutor ouviu delatores da Odebrecht, mas não permitiu o contraditó­rio.

O antipetism­o que ronca e fuça não está nem aí para os fundamento­s do Estado democrátic­o. Bem, esse cara não sou eu. Fui uma das primeiras vozes na imprensa que se insurgiram contra o PT. E não porque seus integrante­s fossem feios, sujos e malvados —até porque os há também bonitos, limpinhos e bondosos.

Acho intoleráve­l, no petismo, é o desprezo pelo Estado de Direito e pela institucio­nalidade. Por que eu condescend­eria com isso, mesmo que o partido seja o alvo?

O julgamento tem de ser suspenso ainda na terça. E a defesa de Dilma tem de ter acesso às provas. Em nome da lei. Não contra ela.

O antipetism­o que ronca e fuça não está nem aí para o Estado democrátic­o. Bem, esse cara não sou eu

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