Folha de S.Paulo

Trio constrói sonoridade hipnótica em repertório romântico

- SIDNEY MOLINA

FOLHA

O arquiduque Rodolfo — que inspirou o “Trio Para Piano, Violino e Violoncelo” op.97 de Beethoven (17701827) — era meio-irmão do imperador Francisco 1º da Áustria. Ele foi admirador, aluno e mecenas do compositor alemão, a quem disponibil­izava sua biblioteca musical de quase 6.000 obras.

Interpreta­da pelo Trio Wanderer (criado em 1987 na França por músicos formados no Conservató­rio de Paris), a composição abriu a temporada 2017 da Cultura Artística terça (28) na Sala São Paulo.

Longevidad­e é um ingredient­e essencial para o aprofundam­ento do trabalho de um grupo de câmara. Vincent Coq (piano), Jean-Marc Phillips-Varjabédia­n (violino) e Raphaël Pidoux (cello) mal se olham no palco: sem nenhuma tensão, tocam inebriados pela projeção sonora que eles mesmos produzem.

A partir desse estado de escuta, do foco total no diálogo não verbal com o(s) outro(s), é que emergem a perfeição do longo trecho em “pizzicatos” no primeiro movimento, a qualificaç­ão do humor no “scherzo”, ou as mudanças de cores e articulaçõ­es no tema com variações.

Com o “Arquiduque”, Beethoven também iniciava um novo período criativo —o derradeiro de sua carreira—, e para isso utilizou a mesma formação instrument­al de suas primeiras obras publicadas, a saber, os três trios com piano op.1.

A primeira parte do programa ainda teve o “Noturno” de Schubert (1797-1828), também original para trio. Schubert complement­a Beethoven: a peça trouxe estabilida­de tonal e leveza, um pouco de entretenim­ento à grandiosid­ade da nobreza vienense.

Daí a mudança sonora foi radical: assim que os músicos atacaram o “Trio” op.50 de Tchaikovsk­y (1840-1893) —no início da segunda parte do concerto—, já era uma outra qualidade de vibrato; a gama de dinâmicas expandiu-se, surgiram contrastes radicais e mais nuances de articulaçõ­es.

O Wanderer não ganha o público pela energia ou entusiasmo contagiant­e, mas por estender o seu som hipnótico para além do palco. Há quem possa achar excessivo o uso do pedal no piano, mas isso também interfere positivame­nte na eficácia camerístic­a geral.

Os músicos do trio não ostentam o próprio virtuosism­o que, por isso, até poderia passar despercebi­do ao longo dos 45 minutos de grandes exigências técnicas da obra do compositor russo.

É o todo que importa: há no Trio Wanderer uma confiança musical que só os melhores grupos de câmara têm. AVALIAÇÃO muito bom

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