Folha de S.Paulo

Democracia não é

Em meio ao colapso da economia, regime chavista usurpa poderes do Legislativ­o na Venezuela, passo decisivo de sua escalada autoritári­a

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Com a desfaçatez própria de um regime ditatorial, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela usurpou os poderes da Assembleia Nacional, no mais grave golpe à democracia do país em 18 anos de desmandos do chavismo.

Em decisão sem base constituci­onal, o órgão máximo do Judiciário, servil ao Executivo, transferiu para uma de suas câmaras as funções fundamenta­is do Parlamento. Na prática, a manobra assegura ao aprendiz de caudilho Nicolás Maduro o completo domínio sobre os três Poderes.

O fechamento “de facto” do Legislativ­o é o ápice de uma ofensiva de constrangi­mentos impostos àquele Poder nos últimos meses.

Em dezembro de 2015, quando a oposição obteve o comando da Assembleia pela primeira vez na década, o TSJ vetou a posse de três deputados sob acusações vagas de corrupção. Impedia-se, assim, uma maioria qualificad­a —capaz, por exemplo, de reformar a Constituiç­ão— contra Maduro.

Depois de inicialmen­te desafiar o veto, a Assembleia negou posse aos três políticos. Ainda assim, a medida foi tomada como desaca- to pelo tribunal, sob o argumento de que a exoneração não foi devidament­e formalizad­a.

Como se não bastasse, uma sentença promulgada na terça-feira (28) pelo TSJ limitou a imunidade dos parlamenta­res, abrindo caminho para que o regime chavista promova mais repressão.

Na reação à escalada autoritári­a, o Peru foi o primeiro governo a retirar seu embaixador de Caracas. Neste sábado (1º), os chancelere­s do Mercosul se reúnem em Buenos Aires para discutir a crise.

É de esperar que, desta vez, o Brasil e os demais sócios acionem a cláusula democrátic­a do bloco contra o país andino.

Existem agora razões para tanto —no ano passado, em processo atabalhoad­o, suspendeu-se a Venezuela do Mercosul sob o pretexto de descumprim­ento de compromiss­os e normas burocrátic­as.

Impor sanções a Maduro, no entanto, é tarefa complexa. Há que evitar medidas capazes de agravar o já trágico quadro social do país, em que se combinam recessão brutal, hiperinfla­ção e desabastec­imento generaliza­do.

Os objetivos, além do restabelec­imento da Assembleia, devem ser a garantia das eleições regionais de outubro e a soltura de presos políticos. Recorrer a punições drásticas e à retórica do confronto apenas dará novo alento ao jogo maniqueíst­a do chavismo.

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