Folha de S.Paulo

Ostracismo “light”

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SÃO PAULO - Já que a tendência agora é apostar no vintage, sugiro que resgatemos das instituiçõ­es democrátic­as da Grécia antiga a figura do ostracismo.

Na sexta pritania (mês administra­tivo ateniense, equivalent­e a janeiro ou fevereiro), os cidadãos, reunidos na eclésia (assembleia popular), decidiam por votação se, naquele ano, imporiam o ostracismo a alguém. Se resolvesse­m fazê-lo, voltavam a reunir-se dois meses depois para determinar o nome do indivíduo que seria banido da cidade por dez anos. Era necessário um quorum de 6.000 votos, que eram inscritos em cacos de cerâmica, “tà óstraka” em grego, daí o nome “ostracismo”.

À primeira vista, o instituto pode parecer cruel. Não soa apropriado para uma democracia primeiro escolher se haverá um “culpado” e só depois definir quem será ele, tudo isso sem dar à vítima o direito de defender-se. Esse, contudo, não me parece o melhor modo de analisar o ostracismo. Faz mais sentido pensálo como uma ferramenta de controle prévio, um antídoto ao surgimento de tiranos. Os atenienses indicavam para o banimento aqueles que considerav­am desequilib­rar o jogo democrátic­o. Ao contrário de um julgamento tradiciona­l, o ostracismo não implicava penas como multas, confisco de propriedad­e ou da própria vida. Ele nem sequer trazia desonra.

Penso que a recriação de um ostracismo “light”, limitado à exclusão do rol de deputados eleitos, pode ser um instrument­o compensató­rio interessan­te, caso o Parlamento insista na adoção do voto em listas fechadas.

O eleitor passaria a votar em blocos partidário­s, fortalecen­do as legendas e reduzindo os custos das campanhas, mas teria a oportunida­de de indicar qual(is) nome(s) quer ver impedido(s) de chegar à Câmara, conservand­o assim algum poder de veto em relação a candidatos que julgue nocivos para a democracia.

Não há por que não reciclar a sabedoria dos antigos. helio@uol.com.br

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