Classificação de golpe de Estado divide analistas
FOLHA DE WASHINGTON
Os quatro países fundadores do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) fazem neste sábado (1º) reunião extraordinária que, se dependesse só da opinião do chanceler brasileiro, Aloysio Nunes, terminaria com decisões drásticas a respeito da crise política na Venezuela — após o TSJ (Tribunal Supremo de Justiça), dominado pelo governo, ter assumido as funções da Assembleia Nacional, de maioria opositora.
Uma das decisões poderia ser até mesmo a expulsão de Caracas do bloco, do qual foi suspensa no ano passado.
Em Washington, onde se reuniu com o secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), Luis Almagro, na manhã de sexta (31), o líder opositor venezuelano Henrique Capriles disse apoiar sanções por organismos regionais.
“Todos [os blocos] têm cláusulas a serem respeitadas, cumpridas. Se o governo venezuelano não as cumpre, que venham as sanções, as consequências. Eu respaldo toda decisão que aponte para resgatar a democracia no meu país”, disse Capriles.
Mas, antes de que venham sanções, de qualquer natureza, o chanceler brasileiro prefere ouvir a opinião de seus colegas para só depois, eventualmente, pôr à mesa qualquer proposta mais dura, como seria a expulsão.
O teorema de Aloysio é simples e assim formulado:
1 - A suspensão da Venezuela, adotada unanimemente, se amparou num argumento técnico: o país não cumpriu, no prazo devido, os compromissos assumidos quando sua adesão foi aceita.
2 - Agora, a decisão de cassar os poderes da Assembleia representa uma “mudança qualitativa”, diz o ministro. Trata-se de “uma ruptura clara da ordem democrática”.
3 - Logo, manter a Venezu- ela no bloco, apenas suspensa, seria “uma ficção, que avacalharia o Mercosul”, afirma Aloysio, enfatizando que “avacalhar” é uma palavra adequada.
Mas o chanceler sabe que qualquer nova decisão sobre a Venezuela terá que ser adotada por unanimidade, como aconteceu no ano passado. Para prosperar uma eventual expulsão, o grande obstáculo seria o Uruguai, por questões de política interna.
O país é governado pela Frente Ampla, uma coligação de esquerda na qual há setores que ainda defendem o regime venezuelano.
O grupo partidário divulgou nota de repúdio à sentença do TSJ, mas que foi aprovada por apenas 14 dos 25 partidos membros.
Argentina e Paraguai, ambos governados por grupos de centro-direita, fizeram críticas ao endurecimento do regime de Nicolás Maduro semelhantes às que faz o chanceler brasileiro. Estariam em tese, portanto, a favor do en- durecimento.
A opinião de Aloysio parte de uma premissa: a de que não haverá volta atrás tão cedo na ruptura da ordem democrática em Caracas. “O governo Maduro diz que é uma revolução, e a lógica da revolução é incompatível com a alternância no poder.”
Parte dos países-membros da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) também condenou os episódios na Ve-
HENRIQUE CAPRILES
líder opositor venezuelano nezuela, que “atentam contra os princípios e valores essenciais da democracia”, segundo nota conjunta dos governos de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai e Uruguai. REUNIÃO O que pode enfraquecer a manifestação deste sábado do Mercosul é a ponderação da própria oposição venezuelana, segundo a qual o governo Maduro poderia usar eventuais sanções como uma prova do que afirma sempre, ou seja, de que há um cerco da direita a um regime que se diz democrático.
A reunião deste sábado será em Buenos Aires porque a Argentina é a presidente de turno do Mercosul. Foi convocada devido “à grave situação institucional da Venezuela”, anunciou a chanceler Susana Malcorra.
Para o líder opositor Capriles, o Mercosul não deve ser a única instância a adotar sanções contra a Venezuela. Ele disse esperar que a OEA se pronuncie oficialmente sobre o que chama de golpe de Estado em seu país e que a invocação da Carta Democrática “deve seguir seu curso”.
Se invocada a Carta da OEA, a Venezuela pode, em última instância, ser suspensa do organismo, como ocorreu com Honduras, em 2009, após o golpe contra o presidente Manuel Zelaya.
Um grupo de 20 países, incluindo o Brasil, pediu uma sessão extraordinária do Conselho Permanente para a segunda (3). A ideia é aprovar, na reunião, declaração dizendo que houve “alteração de ordem constitucional” na Venezuela com a decisão do TSJ.
Se submetido a votação, o texto precisará de 18 votos para que seja aprovado, no primeiro passo da aplicação da Carta Democrática. O processo, porém, é longo, e privilegia gestões diplomáticas antes de se discutir de fato a suspensão —para a qual são necessários 23 dos 34 votos.
O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) venezuelano sustenta sua decisão de assumir as funções da Assembleia Nacional em um artigo da Constituição que não determina expressamente essa medida.
O tribunal considera que houve “omissão parlamentar inconstitucional” da Assembleia, que empossou deputados acusados de fraude eleitoral. Em caso de omissão, diz o artigo 336, a Corte pode “estabelecer diretrizes de correção”, mas sem detalhar o que seria isso.
“O que prevê o 336 estabelece que o TSJ deve estabelecer prazos e diretrizes para a correção de atos inconstitucionais. Disso para o ato de ‘atuar como o Poder Legislativo’ vai uma distância muito grande”, afirma o cientista político da Unicamp Wagner Romão.
O analista, porém, é cauteloso ao não classificar a ação do TSJ como um golpe de Estado. “Enquanto não se tiver caracterizada uma situação em que o Executivo e o Judiciário, irmanados, tomam conta de todas as representações de poder no país, ainda não caracterizaria como um golpe de Estado completo.”
Já o professor da Escola de Relações Públicas e Internacionais da Universidade Columbia (EUA), Christopher Sabatini, afirma que há em curso um “golpe em pequenos passos”.
Ele cita as decisões da Assembleia anuladas pelo TSJ, o adiamento das eleições regionais de dezembro e as manobras do CNE (Conselho Nacional Eleitoral) para atrasar a convocação de um referendo revogatório contra Maduro.
“A erosão da democracia é uma ameaça maior do que um golpe de fato. Um golpe geralmente é um ato que você pode reconhecer: tanques marcham pelas ruas ou uma multidão invade o palácio”, diz.
Para o cientista político Enrique Peruzzotti, da Universidade Torcuato di Tella, de Buenos Aires, a Venezuela hoje pode ser considerada uma ditadura “posto que foi formalmente desmantelado o princípio republicano da separação de poderes, ignorando a vontade popular”.
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Todos [os blocos] têm cláusulas a serem respeitadas. Se o governo venezuelano não as cumpre, que venham as sanções. Respaldo toda decisão que resgate a democracia no meu país