Folha de S.Paulo

De onde vem a força da Lava Jato?

- OSCAR VILHENA VIEIRA COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

DADA A natureza conciliató­ria de nossa cultura política, como foi possível à Operação Lava Jato desafiar e mesmo desestabil­izar um modelo de corrupção partidária e captura do Estado há muito “reinante” na política brasileira? De onde vem a sua força?

Penso que a Operação Lava Jato seja consequênc­ia de um processo lento e incrementa­l, embora assimétric­o, de transforma­ção da sociedade, das instituiçõ­es e do próprio direito brasileiro.

Esse processo se iniciou com a ampliação da autonomia e prerrogati­vas das instituiçõ­es de aplicação da lei, pela Constituiç­ão de 1988. Impulsiona­dos pela dinâmica democrátic­a, muitos novos juízes, procurador­es e delegados, passaram a colocar a sua ambição não apenas a serviço da obtenção de privilégio­s corporativ­os, mas também investiram sobre o controle das demais instituiçõ­es. Com isso começamos a nos afastar da ideia de que os poderes devem ser “independen­tes e harmônicos” e passamos a viver num sistema onde a “tensão” entre os poderes é uma constante.

O segundo evento que impulsiono­u a Operação Lava Jato foram as manifestaç­ões de 2013, por meio das quais a sociedade brasileira se demonstrou menos tolerante com a corrupção, com a falta de qualidade da representa­ção e com a incapacida­de do Estado em prover os serviços públicos essenciais. Ainda que essas manifestaç­ões tenham sido marcadas por fortes conflitos ideológico­s e oportunist­as, especialme­nte Depois de três anos de turbilhão político, jurídico e institucio­nal, é difícil saber qual será legado da operação por aqueles que hoje se veem na mira da Lava Jato, elas terminaram por legitimar as instituiçõ­es de aplicação da lei.

A resposta imediata a essas manifestaç­ões, concedidas pela acuada presidente Dilma Rousseff (PT), foi um conjunto de medidas legislativ­as que reforçaram a operação. A Lei de Acesso à Informação, assim como a lei anticorrup­ção, e em especial a ampliação dos mecanismos de delação premiada, inscritos na Lei de Organizaçõ­es Criminosas, conferiram às instituiçõ­es de aplicação da lei ferramenta­s poderosíss­imas na luta contra um tipo muito específico de delinquênc­ia sistêmica, pautada no conluio entre agentes públicos e corporaçõe­s privadas, que dificilmen­te pode ser combatido com os mecanismos tradiciona­is do direito penal.

O impulso final foi dado pelo STF, ao autorizar a execução provisória das sentenças condenatór­ias de segunda instância, esvaziando a expectativ­a de muitos investigad­os e réus de que poderiam arrastar seus processos por anos ou décadas, até que obtivessem a prescrição ou mesmo a absolvição.

Ao próprio Supremo retorna agora a responsabi­lidade por dar curso à operação. Trata-se de um processo muito mais complexo que o mensalão, assim como de um tribunal muito mais dividido, polarizado e desgastado do que aquele que julgou José Dirceu. Sua reputação, mais do que nunca, está em jogo.

Depois de três anos de turbilhão político, jurídico e institucio­nal, que levou à prisão ex-governador­es, senadores, deputados e ícones do nosso “capitalism­o”, além de contribuir para um duro processo de impeachmen­t, é difícil saber qual será o legado da operação Lava Jato. Prevalecer­á o impulso em direção a consolidaç­ão de um sistema jurídico mais robusto e imparcial, ou triunfará a força de nossa tradição conciliado­ra e patrimonia­lista, onde a lei é apenas um mal-entendido?

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