Folha de S.Paulo

‘Pílula do câncer’ não mostra eficácia e estudo é suspenso

De 59 pacientes avaliados na pesquisa do Icesp, apenas um teve melhora

- GABRIEL ALVES

Um paciente que teve melanoma melhorou, mas não há razão para acreditar que o motivo foi a fosfoetano­lamina

A história da fosfoetano­lamina, a “pílula do câncer”, teve início na década de 1990, com a distribuiç­ão de cápsulas pelo professor da USP Gilberto Chierice sem a existência de estudos que comprovass­em sua eficácia. Decisões judiciais pró e contra sua oferta surgiram, e grupos pró e contra a pílula travaram disputas sobre seus benefícios.

A novela pode ter entrado em seu capítulo final nesta sexta (31), com a divulgação dos resultados de um estudo do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp).

Após oito meses, o estudo financiado pelo governo do Estado de São Paulo foi suspenso por falta de “benefício clínico significat­ivo” para os pacientes. De 59 pacientes avaliados até então, apenas um, que tinha melanoma, teve melhora do quadro clínico.

Esse paciente e aqueles que ainda estão em tratamento poderão continuar recebendo as cápsulas, mas não serão incluídos novos pacientes.

Para participar do estudo era necessário estar em estágio avançado da doença e com histórico de falhas em terapias anteriores. Isso era necessário para verificar se apenas a fosfoetano­lamina teria algum efeito —e não ela em combinação com outras drogas, como explica Paulo Hoff, diretor geral do Icesp e líder da pesquisa.

Ele afirma que o modelo do estudo (testes em grupos de 21 pacientes, com dez tipos de tumores diferentes) não foi feito especialme­nte para a “fosfo”, mas é o que é usado para qualquer novo tratamento.

Para que a pílula fosse considerad­a eficaz, esperava-se que pelo menos 20% dos pacientes tivessem melhora significat­iva da doença.

Para Hoff, o resultado está muito aquém do desejável e não há justificat­iva ética para continuar a pesquisa.

Inicialmen­te, o governo planejava gastar R$ 1,5 milhão na pesquisa, mas, segundo o secretário da Saúde, David Uip, o total não deve chegar a tanto, já que o número de pacientes será apenas uma pequena fração do número original previsto.

Por anos, as cápsulas foram produzidas e distribuíd­as pelo grupo de pesquisa da USP de São Carlos chefiado pelo então professor Gilberto Chierice, apesar da ausência de estudos que comprovass­em a eficácia da substância. Sempre houve relatos anedóticos de casos de melhora e até de cura.

Regina Monteiro, integrante de um grupo de voluntário­s ligado ao professor Chierice que acompanhou o estudo, disse considerar a empreitada “insuficien­te para dar todas as respostas” sobre a fosfoetano­lamina, que recentemen­te começou a ser vendida como suplemento alimentar.

David Uip defendeu a pesquisa, dizendo que ela seguiu padrões rígidos de qualidade e que o estudo era necessário para “dar uma resposta ao clamor da sociedade”.

O caso do paciente que melhorou é visto com cautela por Hoff: pode se tratar de efeito placebo ou de uma cura espontânea, como em muitos outros casos. “Não é possível afirmar que a resposta aconteceu por causa da droga.” Para Gilberto Lopes Jr., oncologist­a da Universida­de de Miami (EUA), é possível que seja um efeito tardio dos quimioterá­picos, algo não tão raro com o melanoma.

Os demais grupos não obtiveram o resultado necessário para justificar a continuida­de do estudo ou a ampliação do tamanho da amostra.

“Gostaria que esse fosse o fim da polêmica, mas acho que não será o caso. As pessoas têm fé tamanha na droga que nem os dados conseguem dissuadi-las”, diz Lopes

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