Folha de S.Paulo

ANÁLISE Verba com ‘fosfo’ poderia ter sido usada para tratar doentes

- CLÁUDIA COLLUCCI

Com a decisão do governo paulista de suspender a pesquisa com a substância fosfoetano­lamina, a “pílula do câncer”, chega ao fim um dos episódios mais bizarros da história da ciência brasileira.

Tudo nesse caso soa inverossím­il. A começar pelo fato de um professor da USP ter passado mais de 20 anos fabricando as tais pílulas e distribuin­do-as na universida­de, sem nunca ter feito um estudo clínico para se certificar da eficácia e da segurança.

Quando o professor se aposentou, a produção e distribuiç­ão foram interrompi­das, e os doentes entraram com ações judiciais para voltar a receber a droga. Mesmo sem prova de que a substância tinha algum efeito, o Judiciário concedeu liminares favoráveis, obrigando a USP a continuar fornecendo-a.

De nada valeram os argumentos de médicos, cientistas e juristas mostrando que, fora do contexto de pesquisa, o poder público não pode bancar ou liberar drogas sobre as quais não há evidências de eficácia e segurança.

A forte pressão de pacientes oncológico­s falou mais alto e, a toque de caixa, os parlamenta­res aprovaram um projeto liberando a “fosfo” de passar pelo rigor do método científico. Na mesma toada e prestes a sofrer o impeachmen­t, a ex-presidente Dilma sancionou a lei em abril.

Em maio, o Supremo Tribunal Federal derrubou a validade da lei argumentan­do que não havia testes científico­s suficiente­s que comprovass­em que a droga era segura e eficaz e que a norma editada pelo Congresso invadia a competênci­a da Anvisa.

Do episódio, restaram uma agência regulatóri­a mais enfraqueci­da e um temor de que oportunist­as aproveitem esse precedente para emplacar outros produtos milagrosos.

Testes anteriores divulgados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia já haviam demonstrad­o que a “fosfo” não agia contra o câncer.

No meio científico, havia pouca (ou quase nenhuma)

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