Folha de S.Paulo

TRIPLICATE

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Existe um abismo sonoro entre as vozes de Sinatra e de Dylan. O primeiro é modelo para todos os cantores do planeta, a voz mais afinada de todas, a dicção mais cristalina que se escuta em discos.

O segundo é o maior poeta do rock, mas nunca cantou bem. Parecia uma gralha rouca no início da carreira e foi piorando até o presente vocal rasgado e uma dicção em que às vezes torna impossível entender uma só palavra do que está dizendo. ESFORÇADO Por isso, “Triplicate” surpreende­nte à primeira audição. Há tempos —décadas?— Dylan não cantava tão bem. Para os padrões dele, claro. Essa performanc­e esforçada reflete sua paixão pelos projetos recentes. Nas raras entrevista­s, ele enaltece esses standards como a melhor música já criada pelo homem.

O repertório tem clássicos como “Sentimenta­l Journey”, “Stardust”, “The Best Is Yet to Come”, “Once Upon a Time” e “As Time Goes By” —é preciso ter muita benevolênc­ia com essa versão de Dylan.

O compositor que mais vezes comparece em “Triplicate” é Jimmy van Heusen (19171969), autor de oito faixas do álbum. Consagrou-se como criador de trilhas sonoras para cinema. Entre 1944 e 1968, teve 14 indicações ao Oscar de melhor canção, ganhando quatro vezes o prêmio.

A produção do álbum é, novamente, de Jack Frost. Mais do que um pseudônimo, esta é uma persona adotada por Dylan para a gravação de seus álbuns. Segundo integrante­s habituais de sua banda, trata-se de uma criatura que demonstra no estúdio um comportame­nto bem distinto do Bob Dylan cantor.

O repertório espetacula­r de “Triplicate” acaba gerando um álbum bem mais agradável aos ouvidos do que os dois discos anteriores de Dylan, com grandes momentos aqui e ali. Aos 75 anos, o Nobel de Literatura está cada vez melhor nessa jornada esquisita. ARTISTA Bob Dylan LANÇAMENTO Sony/BMG QUANTO R$ 79,90 (CD triplo) AVALIAÇÃO muito bom

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