Folha de S.Paulo

Na abertura do evento, Samuel contou que fala “diretament­e no telefone” de Alexandre

- ANNA VIRGINIA BALLOUSSIE­R

O governador Geraldo Alckmin, o prefeito João Doria, o ministro Gilberto Kassab, os presidente­s da Assembleia paulista, Cauê Macris, e da Câmara Municipal paulistana, Milton Leite. Nenhum faltou.

Alexandre de Moraes não foi. Mandou desculpas pelo WhatsApp: na data, o último dia 22, tomava posse no Supremo Tribunal Federal. Ou iria. Ganhou oração coletiva com votos de “abençoado!”.

O poder do bispo Samuel Ferreira pode ser medido pela lista de RSVP para a convenção nacional da Assembleia de Deus Madureira, num prédio em São Paulo vizinho ao Templo de Salomão da Igreja Universal. Assembleia­nos compõem a maior denominaçã­o evangélica do Brasil. Samuel preside uma das múltiplas ramificaçõ­es da igreja —e a com maior capital político.

Esta o presidente Michel Temer perdeu, mas é velho conhecido das reuniões da Madureira. Em 2014, quando era vice-presidente e concorria para ser reeleito na chapa de Dilma Rousseff (PT), o peemedebis­ta publicou uma foto no Facebook: ele no aniversári­o de 46 anos do “amigo” Samuel, que está de gravata e lenço de bolso laranjas, terno azulmarinh­o quadricula­do e colete com estampa colorida — uma exceção entre as vestes monocromát­icas ao redor.

Temer foi levado à Assembleia pelo então aliado Eduardo Cunha, do mesmo PMDB. O deputado evangélico teria dois anos agitados pela frente: seria eleito presidente da Câmara, cassado pelos pares, preso e condenado a 15 anos de prisão na Lava Jato.

Na ocasião, era apenas “nosso grande representa­nte”, o “homem de fé” que lhe dava um “auxílio extraordin­ário”, bradou o vice —que ainda diria ter “muito gosto” por estar ao lado da então parceira Dilma, mulher “vocacionad­a para a espiritual­idade”.

Temer definiu Cunha e o pai de Samuel como os “generais eleitorais” de sua terceira eleição para presidente da Câmara, em 2009. Na época, os três eram colegas: ele, Cunha e o bispo Manoel Ferreira, então deputado pelo PR.

A proximidad­e com o parlamenta­r cassado colocou o filho de Manoel no radar da Lava Jato. Samuel e sua igreja aparecem num processo que tramita no Supremo. Segundo denúncia da Procurador­ia-Geral da República, com ajuda dos lobistas e futuros delatores Júlio Camargo e Fernando Soares (vulgo Fernando Baiano), Cunha transferiu R$ 250 mil para uma conta bancária da Assembleia. O dinheiro faria parte de propina de US$ 5 milhões que o deputado supostamen­te recebeu.

“Houve má vontade com a igreja”, diz à Folha Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado de Samuel. “Como pode, entre milhares de doações, um pastor de uma igreja tão capilariza­da identifica­r quem fez uma delas? Se o mesmo cidadão desse o dízimo à Igreja Católica, [a PGR] estaria processand­o o papa?”

Sobre a extensão da Madureira não há dúvidas. Sob sua aba, há centenas de igrejas e cerca de 70 mil pastores para atender um país 30% evangélico. Mais dados sobre o avanço da religião no Brasil ficaram a cargo do presidente do IBGE, Paulo Rabello de Castro, levado à convenção pelo líder do Partido Social Cristão, Pastor Everaldo. MANDA UM WHATSAPP

SAMUEL FERREIRA

bispo evangélico

JOÃO DORIA

prefeito de São Paulo de Moraes, “sempre uma pessoa muito respeitado­ra dos evangélico­s”. Pastores vindos de 220 caravanas de todo o país oraram para que Deus abençoasse o novo ministro do STF.

Outro contato em sua agenda telefônica: João Doria. Esse ganhou bênção ao vivo, quando vários pastores pousaram as mãos em sua cabeça, ele de joelhos no palco.“O prefeito tem sido alguém com quem a gente pode contar”, disse Samuel, que em seguida exaltou a luta do tucano contra “os pichadores”. Doria retribuiu o afago: “A química [entre ele e o bispo] existe”.

“Quando [Doria] manda um WhatsApp saio mostrando pra todo mundo, óbvio. Faturar um pouquinho não faz mal a ninguém”, brincou o bispo, que pediu aplauso de pé para o prefeito. “A igreja só se levanta para receber quem está em patamar altíssimo. Aqueles que querem saudar [o prefeito] digam amém bem forte!” E foi feita a sua vontade.

Alckmin foi à convenção na manhã seguinte e lá declarou: “Feliz a cidade, o Estado, a nação cujo Deus é o senhor”. Dias depois, convidou o deputado estadual Cezinha da Madureira (DEM), soldado da igreja até na assinatura política, para ser vice-líder do governo na Assembleia Legislativ­a.

Em seu gabinete, pastor Cezinha diz que é normal o interesse de grandes dirigentes por sua casa de fé. “Está na Constituiç­ão: o poder emana do povo.” E o povo brasileiro, afinal, é cada vez mais evangélico. Uma vez que “toda autoridade é constituíd­a por Deus”, toda coloração política é bem-vinda, afirma.

Isso explica porque a mesma igreja que apoiou Dilma em 2014 abre a porta para vários de seus rivais —como José Serra, que em sua primeira semana como ministro das Relações Exteriores concedeu passaporte diplomátic­o ao bispo Samuel e sua esposa.

Na campanha, a petista visitou um congresso da Madureira e foi fustigada pelo pastor Silas Malafaia, de uma Assembleia dissidente: “Dilma dá uma de crente, QUE VERGONHA!!! Só não disse que crê no comunista Fidel Castro”.

Na igreja, ela exaltou o trabalho social da Madureira e pediu: “Não se esqueçam de orar por mim”. Samuel agradeceu: “Me senti gente hoje”.

igreja para lavar propina do deputado cassado Entre amigos nós falamos: a química existe

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