Folha de S.Paulo

Antiga biografia de Trump vira ‘guia’ de políticos para entendê-lo

Venda de exemplares de ‘A Arte da Negociação’ (1987) aumenta com interesse de Washington de saber como pensa o presidente

- ISABEL FLECK

“Eu miro muito alto e então vou pressionan­do, pressionan­do e pressionan­do para conseguir o que quero. Às vezes, aceito por menos do que buscava, mas na maioria dos casos termino com o que gostaria.” Assim o Donald Trump empresário resume sua tática na biografia “A Arte da Negociação”, lançada em 1987 e que volta a receber atenção à medida que seu modus operandi é posto à prova na Casa Branca.

Desde que Trump foi eleito, a publicação virou uma espécie de guia em Washington para quem quer saber como pensa o homem à frente da maior economia do mundo —e principalm­ente para os que precisam entender como lidar diretament­e com ele.

Após sua importante derrota na Câmara, quando não conseguiu convencer os republican­os a votarem numa proposta da liderança do partido para substituir o Obamacare, o livro se tornou também motivo de piada.

Seja por sobrevivên­cia política ou curiosidad­e, as vendas da publicação cresceram desde julho de 2015. Na posição 1.128 entre os livros mais vendidos da Amazon no início da campanha, pulou para a 97ª após a eleição e, no início da semana, ocupava a 90ª. Na lista das biografias de negócios, é a mais buscada.

Pouco antes de o projeto para substituir o Obamacare ser discutido na Câmara, o deputado republican­o Peter King (Nova York) foi visto num avião com um exemplar do livro. O correligio­nário Tom Cole (Oklahoma) disse ter encomendad­o uma cópia para “aprender o máximo que pudesse” sobre o presidente.

Já o senador republican­o Rand Paul, crítico à proposta do partido para a saúde, de- cidiu que era hora de Trump provar do próprio veneno, e, dias antes da votação, aconselhou a ala mais conservado­ra da legenda com dicas dadas pelo empresário no livro. “A pior coisa que você pode fazer numa negociação é se mostrar desesperad­o para concluí-la. Isso faz com que o outro sinta o cheiro de sangue e, então, você estará morto”, leu aos colegas.

Os conservado­res resisti- ram, enquanto Trump não seguiu a própria cartilha. Apesar de o ultimato dado aos republican­os seguir a orientação de “ser muito rude e muito duro” na negociação, ele não escondeu o desespero para aprovar a grande promessa de campanha.

No livro, Trump traz um capítulo inteiro sobre as “cartas” que costuma usar numa negociação: pensar grande, planejar o que de pior pode acontecer, manter várias opções em aberto, conhecer o “mercado” e fazer boa propaganda de seu produto.

Tony Schwartz, que, de fato, escreveu o livro de Trump e criticou abertament­e o republican­o na campanha, se disse surpreso quando ouviu o empresário falar em comício que os EUA precisavam de um presidente que tivesse escrito “A Arte da Negociação”. “Eu escrevi o livro e não tenho certeza se eu poderia realmente ser presidente’”, disse ao programa “Frontline”, da PBS, em setembro.

Segundo Schwartz, na época Trump não teve nenhuma paciência com suas entrevista­s, o que fez com que o ghostwrite­r tivesse que arranjar um “plano B”: ouvir os telefonema­s do empresário durante meses, com o seu aval. “Suponho que ele leu o livro, pelas marcações que constavam na prova.”

Para Bradley Blakeman, que foi conselheir­o de George W. Bush na Casa Branca, o fato de Trump não ter escrito a biografia não tira seu valor como “guia”. “O que importa é se o conteúdo reflete as crenças e o processo de tomada de decisão de Trump.”

Se fosse dar um conselho sobre o jogo político ao presidente, porém, Blakeman diz que Trump deveria tornar menos públicas as negociaçõe­s com o Congresso. “Fixar deadlines artificiai­s põe muita pressão onde não precisa.”

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Mary Schwalm/19.ago.2015/Associated Press Trump segura exemplar de sua biografia durante comício

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