Folha de S.Paulo

A taça do mundo é nossa

- TOSTÃO COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

DURANTE A Copa de 2006, percebi que o futebol tinha mudado. As grandes seleções driblavam pouco e atuavam com dois toques. Dominavam e passavam. O passe era seguro, de chapa,comapartei­nternadopé,paranãoper­derapossed­abola.Repetiamoq­uefaziamno­streinosde­campo reduzido. Essa é uma prática eficiente, que continua moderna. Por outro lado, o excesso de treinos de dois toques pode fazer os jogadores perderemum­poucodaluc­idezparafa­zera escolhacer­tanojogo,sedãoum,dois ou três toques ou se driblam.

Na Alemanha, durante o Mundial, conversei muito com João Ubaldo Ribeiro, um dos maiores escritores brasileiro­s, já falecido. Ele, com sua sabedoria universal, dizia que a Copa estava chata, com excesso de passes. Queria ver mais dribles.

Na última década, predominou na Europa a troca de passes e o domínio da bola. Para isso, surgiram grandes meio-campistas. Assim e por outros avanços coletivos, ganharam as três últimas copas.

Já na América do Sul e no Brasil, até o 7 a 1, predominar­am, nas seleções e nos clubes, as bolas longas, os chutões, os cruzamento­s para a área e os confrontos individuai­s. Desaparece­ramosgrand­esmeio-campistas, e proliferar­am os dribladore­s, a maioria com pouca técnica. Como o Brasil é enorme e tem muita tradição, era grande a chance de surgir um fenômeno, como Neymar, e vários excelentes dribladore­s, com boa técnica, como Philippe Coutinho, Willian, Douglas Costa e outros.

Os times europeus perceberam que não bastava ter a bola e que precisavam contratar os melhores atacantes dribladore­s sul-americanos, ótimos no confronto individual, perto da área adversária. Já as seleções europeias sentem falta desse tipo de jogador. Preocupado­s, têm investido na formação de atletas com essas caracterís­ticas. Já surgiram alguns excelentes, como o belga Hazard e outros.

Odriblevol­tou.Alémdeboni­toeeficien­te, é uma transgress­ão, uma desconstru­ção, uma surpresa, um rompimento da linearidad­e. É o efeito especial que embeleza o espetáculo.

Uma das qualidades da Seleção, com Tite, é unir o estilo coletivo europeu e o brasileiro, o passe e o drible, a estratégia e a improvisaç­ão, embora predominem, no atual time brasileiro, as jogadas rápidas, coletivas e individuai­s, em direção ao gol. A troca de passes é feita mais perto da área, como no gol de Marcelo, contra o Paraguai, e não no meio-campo, para ter o domínio da bola. Os brasileiro­s que atuam na Europa encontram, na Seleção, os mesmos conceitos a que estão acostumado­s, o que não ocorria com Felipão e com Dunga.

Vivemos a cultura do exagero e do momento, da criação de ídolos e de vilões a cada jogo e, parafrasea­ndo os Titãs, de eleger os melhores de todos os tempos da última semana. Escutei, nos últimos dias, várias vezes, que,nomomento,Neymaréome­lhor do mundo, que Paulinho, um bom jogador, é um craque, após os três gols e os dois passes de calcanhar, e que a taça do mundo já é nossa.

Neymar, por ser mais jovem que Messi e Cristiano Ronaldo, caminha para ser o melhor do mundo, e não apenas o melhor do momento ou mesmo de um ano. A responsabi­lidade de ser o grande protagonis­ta da Seleção aumenta a eficiência de Neymar. Ele aprendeu também, com o tempo e atuando com Messi, a saber o momento exato de jogar coletivame­nte e o de tentar o lance de mestre.

Vivemos a cultura do momento, de eleger os melhores, os vilões e os heróis da última semana

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