Folha de S.Paulo

ENTREVISTA Nem me lembro da última vez que não senti dor ao jogar

GOLEIRO FALA DOS SACRIFÍCIO­S PELO ESPORTE E COMENTA A POLÍTICA DO FUTEBOL E DO BRASIL

- GUILHERME SETO

DE SÃO PAULO

“Um homem com uma dor/ é muito mais elegante/ caminha assim de lado/ como se chegando atrasado/ andasse mais adiante/ Carrega o peso da dor/ como se portasse medalhas/ uma coroa,/ um milhão de dólares/ ou coisa que os valha”.

Se a premissa dos versos do poeta Paulo Leminski é verdadeira, o goleiro Fernando Prass serve como boa ilustração. Aos 38 anos, o jogador fala em entrevista à Folha das dores que carrega como consequênc­ia da profissão, projeta o ano palmeirens­e e comenta a política.

Neste domingo (2), às 19h (com SporTV), ele entra em campo pelas quartas de final do Paulista, em jogo contra o Novorizont­ino, fora de casa. Folha - Você já ganhou a Copa do Brasil e o Brasileiro pelo Palmeiras. Tem um desejo especial de vencer o Paulista?

Prass - Não dá para dizer que tenho mais vontade. É um título que o Palmeiras não ganha desde 2008. Por isso, tem uma atenção especial. Mas temos Libertador­es, Copa do Brasil, Brasileiro... Estamos em um nível que não dá para dizer que um só campeonato tem um gosto especial. O Palmeiras vai jogar no Pacaembu em alguns jogos, inclusive a final, se chegar lá, já que o Allianz Parque vai receber eventos. Como você vê isso?

O Allianz tem uma arquitetur­a diferente. Por ser mais fechado, o som fica mais contido. Mas o importante é o estádio estar cheio e o campo estar bom. O Palmeiras está acostumado a jogar no Paca- embu, muitos títulos dele foram conquistad­os lá. É óbvio que o ideal seria jogar no Allianz, mas no Pacaembu não será um problema. A iluminação é diferente, é óbvio que nessas novas arenas é melhor, mas o Pacaembu é um baita lugar para se jogar. O que mudou taticament­e no Palmeiras em relação a 2016?

Temos ideias diferentes que o técnico [Eduardo Baptista] implantou. Marcamos por zona, e não mais individual­mente. É questão de adaptação, não tem certo e errado. Uma das vantagens é que você não se desorganiz­a tanto para marcar. Se você pega um lateral esquerdo que cruza atrás do atacante que chega pela direita, pode acontecer um desequilíb­rio se a marcação não estiver encaixadin­ha. Na marcação por zona, não. Você pega o cara do setor. Pensa em voltar à seleção?

Enquanto eu estiver jogando em um time grande como o Palmeiras, eu vou sonhar com a seleção. É um dever, acho. Qualquer jogador que joga pelo Palmeiras, é campeão da Copa do Brasil e do Brasileiro, tem que estar em uma lista de não sei quantos jogadores, mas tem que estar nela. A Copa de 2018 é uma meta?

Minha meta é jogar em alto nível e estar nessa lista de possíveis convocados. Tem um grupo de jogadores muito bons na minha posição. Aí entra momento, preferênci­a do treinador... Alguns jogadores de futebol reclamam das dores da profissão. Como é para você?

Esporte de alto nível não é saúde, porque você leva o corpo ao extremo. A fisioterap­ia não é para curar lesão, mas para te testar, para quando você tiver dor você conseguir aguentar jogar mesmo assim. O atleta de alto nível convive com a dor no jogo, no treino, em casa, dormindo. Você tem que cuidar para que a dor não te limite. Mas ela sempre vem. Eu não lembro há quanto tempo que eu jogo que eu não sinto algum desconfort­o. O Bom Senso, do qual você era um dos líderes, chegou ao fim. Qual é a falta que ele faz?

Mais do que o Bom Senso, faz falta uma conscienti­zação maior do jogador. Mas não só dele. O jogador é reflexo da sociedade. O futebol não é uma ilha de ignorância e alienação. A nossa sociedade é assim. Você vê exemplos de políticos punidos no passado por barbaridad­es e que são reeleitos com um número absurdo de votos. Em termos de alienação, o povo brasileiro sempre foi muito acomodado. Como você encara o momento político brasileiro?

O Brasil está passando por um momento crucial de escolher que caminho seguir. A corrupção não começou agora, com o PT, nem com PMDB nem PSDB. Muita coisa está vindo à tona, e o Brasil tem que escolher: fazer acordos, como sempre, e fingir que se faz Justiça; ou realmente fazer Justiça e punir as pessoas. E nisso o povo brasileiro é importante, porque muitas vezes parece que ele quer ser enganado. A população tem muita culpa. A cultura brasileira é a do jeitinho, a de levar vantagem. Isso tem que mudar.

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Avener Prado/Folhapress Fernando Prass no centro de excelência do clube

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