Folha de S.Paulo

Histórico de violência marca bairro onde morreu garota em escola no RJ

Estado só chega com arma, diz morador de Acari, que concentra 20% das mortes em ações policiais

- LUIZA FRANCO

Menina de 13 anos foi baleada durante aula de educação física; colégio tem buracos de bala em janelas e nas paredes

O bairro de Acari, na zona norte do Rio, onde Maria Eduarda da Conceição, 13, foi morta dentro da escola na última quinta (30), é a penúltima estação da linha de metrô carioca para quem vai do centro em direção à periferia.

“O Estado aqui só chega com arma”, define Diogo Henrique, 32, morador do morro da Pedreira, uma das favelas da região onde Maria Eduarda foi atingida por bala perdida na aula de educação física —enquanto bandidos e policiais trocavam tiros.

O episódio da morte da garota também ganhou repercussã­o com a divulgação em redes sociais de um vídeo feito nas proximidad­es no mesmo dia, com policiais flagrados atirando em dois suspeitos feridos e desarmados.

Conhecendo a rotina de violência na região, Henrique optou por matricular seu filho pequeno em um colégio mais longe. “Tem escolas perto de casa, mas eu não queria ir todo dia ao trabalho pensando que alguma coisa poderia acontecer com ele.”

Bairro com alguns dos maiores complexos de favela da cidade e atendido por um batalhão policial com histórico de violência, Acari tem visto a sensação de inseguranç­a recrudesce­r, dizem moradores.

A situação é tal que moradores do entorno do conjunto habitacion­al Fazenda Botafogo, do lado de fora da favela, instalaram cancelas e grades baixas nas ruas para tentar inibir assaltante­s.

“Aqui há uma espécie de toque de recolher espontâneo por causa dos assaltos, que são diários. O comércio fecha quando escurece”, diz Paulo Siviero, 28, da associação de moradores do condomínio.

O batalhão policial 41º, que atende a região, respondeu por 20% das 182 mortes de janeiro e fevereiro deste ano em decorrênci­a de ações policias no Estado —os autos de resistênci­a, casos em que policiais supostamen­te teriam agido em legítima defesa.

São também policiais dessa área que respondem pela Chacina de Costa Barros, bairro vizinho, em 2015.

Segundo resumo do caso feito pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), “cinco jovens foram mortos dentro de um carro com mais de 110 tiros, disparados por policiais militares. Os quatro PMs envolvidos ainda não foram julgados. Os policiais disseram que houve troca de tiros com os adolescent­es, o que foi desmentido pela perícia”.

A alta taxa de criminalid­ade é agravada pela localizaçã­o. O bairro fica perto da avenida Brasil, que atravessa 26 bairros, e da rodovia Dutra, que liga Rio a São Paulo.

Essa é a principal explicação para esse batalhão ter concentrad­o 16% dos roubos de carga no Estado no primeiro bimestre deste ano.

A região atendida tem três favelas grandes, cada uma controlada por uma facção criminosa diferente (Terceiro Comando Puro, Comando Vermelho e Amigos dos Amigos), que tentam invadir os território­s umas das outras, afirma Ivan Blaz, porta-voz da PM.

“E, por causa da crise econômica, há menos recursos para operações preventiva­s. Aumentam ações repressiva­s e enfrentame­nto. Também há mais armas e um aumento do aliciament­o de jovens para ações criminosas”, diz. BURACOS DE BALA Em visita nesta segundafei­ra (3) ao colégio onde a adolescent­e foi morta, a Escola Municipal Jornalista e Escritor Daniel Piza, a reportagem não viu nenhum carro da polícia, mas muitos sinais da violência de rotina.

A escola fica no pé do morro da Pedreira. Só em março, já fora fechada três vezes por causa de tiroteios. Há buracos de bala em janelas e nas paredes. O acesso na rua estava restrito por barricadas de pedra e carcaças de carros.

O muro do colégio foi pichado com mensagens de protesto e pedidos de paz dos moradores. Cartazes trazem os nomes das 33 crianças que morreram por bala perdida desde 2007 no Estado — 20 delas de 2015 para cá, segundo a ONG Rio de Paz.

A escola atende a 720 alunos do 6º ao 9º ano. Apesar de ter boa infraestru­tura, com laboratóri­os e quadras esportivas, sua pontuação no Ideb (Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica), de 3,9, está abaixo da meta, de 4,1.

Com a unidade fechada, o diretor, Luiz Menezes, não sabe quando as aulas serão retomadas. Nesta segunda-feira, funcionári­os da Comlurb lavaram todo o prédio. “Não foi só uma lavagem literal, mas simbólica, também, para termos forças para continuar. O que não podemos fazer agora é desanimar.” foi o número de tiroteios em Acari no último ano, segundo o site colaborati­vo “Fogo Cruzado”, da ONG Anistia Internacio­nal HISTÓRICO DE VIOLÊNCIA 26.jul.1990 > Chacina de Acari: 11 pessoas, a maioria moradora de Acari, são sequestrad­as num sítio na Baixada Fluminense; os corpos nunca foram encontrado­s > Mães das vítimas formam a associação “Mães de Acari” Jan.1993 Edméa da Silva, uma das mães, é assassinad­asemqueocu­lpado fosse identifica­do 8.jan.1994 Doze pessoas morrem durante troca de tiros entre o tráfico e a polícia do Rio 26.jul.2010 Crimes prescrevem sem que ninguém fosse punido; investigaç­ões indicaram a participaç­ão de policiais civis e militares 30.mar.2017 Maria Eduarda Alves, 13, morre dentro da escola após ser atingida por balas perdidas; polícia e bandidos trocavam tiros

 ??  ?? Cartazes no colégio Daniel Piza, em Acari, zona norte do Rio, trazem nomes de crianças mortas por bala perdida; à dir., marcas de tiros pelo prédio
Cartazes no colégio Daniel Piza, em Acari, zona norte do Rio, trazem nomes de crianças mortas por bala perdida; à dir., marcas de tiros pelo prédio

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil