Folha de S.Paulo

Reforma do crédito

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O governo decidiu alterar o cálculo dos juros dos empréstimo­s de seu banco de fomento, o BNDES. O que parece apenas uma decisão técnica representa, na verdade, o início de uma reforma que afetará todo o crédito no país.

De maneira gradual, será reduzida a diferença entre as taxas cobradas pelo banco federal e as praticadas no mercado.

Se levada adiante, tal estratégia reverterá a hipertrofi­a pela qual o BNDES passou nos últimos anos, quando assumiu a maior fatia dos financiame­ntos de longo prazo para projetos de empresas nacionais —e foi protagonis­ta de algumas das políticas mais controvers­as das administra­ções petistas.

Hoje, os empréstimo­s da instituiçã­o são baseados na TJLP, fixada de modo um tanto arbitrário pelas autoridade­s. No momento, a taxa é de 7% ao ano, enquanto o Tesouro Nacional paga pelo menos 12,25% para tomar recursos de seus credores —e a média dos juros cobrados das pessoas jurídicas, no mercado, beira os 30%.

Num país em que o crédito é escasso e, portanto, muito caro, a possibilid­ade de ofertar dinheiro a um custo amigável torna-se arma poderosa nas mãos dos governos.

Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff expandiram a dívida pública para injetar novos re- cursos no BNDES e expandir suas operações, o que permitiu favorecer grupos empresaria­is selecionad­os —os campeões nacionais, como ficaram conhecidos.

Tal estratégia ainda hoje implica despesas públicas criadas sem a devida transparên­cia. As distorções associadas à TJLP, entretanto, são mais amplas.

Por estar praticamen­te imune à política de juros do Banco Central, a taxa do BNDES —além de outras reguladas por normas especiais, como as dos setores agrícola e habitacion­al— dificulta o combate à inflação.

Faz sentido, assim, a decisão do governo de substituir a TJLP, ao longo de cinco anos, por uma taxa compatível com a de títulos da dívida do Tesouro, batizada TLP.

Espera-se que tal medida abra espaço para o mercado de ações, no qual empresas deverão buscar recursos fora do sistema bancário.

Ainda haverá lugar para programas de incentivo a empresas, especialme­nte as de pequeno porte, mas os subsídios terão escala menor e, de preferênci­a, estarão explicitad­os no Orçamento.

Só haverá resultados virtuosos, porém, se os juros brasileiro­s convergire­m a patamares civilizado­s, o que depende do controle inflacioná­rio e de medidas para estimular a competição entre os bancos.

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