Folha de S.Paulo

Estudo petista aponta ‘liberalism­o popular’

Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, entrevisto­u moradores da periferia de SP que deixaram de votar no partido em 2014 e 2016

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Pesquisa revela desconexão entre sigla e eleitorado que não compartilh­a visão de luta de classes

Manifestaç­ões de líderes ou militantes petistas muitas vezes têm como marca críticas a medidas liberaliza­ntes na economia, conclamand­o trabalhado­res a lutarem contra os interesses das elites.

Pesquisa recém-divulgada pela Fundação Perseu Abra- mo, ligada ao PT, revela que muito do discurso não encontra respaldo entre eleitores pobres que já votaram na sigla.

O centro de estudos entrevisto­u 63 moradores da periferia de São Paulo que votaram no PT de 2000 a 2012, mas não sufragaram Dilma Rousseff em 2014 nem Fernando Haddad em 2016.

O resultado mostra que os eleitores não veem a existência de uma luta de classes em que patrões exploram trabalhado­res. Percebem ricos e pobres no mesmo barco contra um inimigo comum: o Estado taxador e burocrátic­o que não entrega serviços de qualidade.

Haveria uma “ideologia do mérito” e a identifica­ção com histórias de superação e sucesso, levando a uma admiração tanto por Lula quanto por João Doria. Preocupado em ascender socialment­e de forma individual, tal eleitor restringir­ia seus ideais de comunidade a dimensões de família, vizinhos e igrejas (principalm­ente neopenteco­stais).

Os eleitores entrevista­dos indicaram ainda o que a Perseu Abramo chamou de “sobrevalor­ização” do mercado sobre o Estado, um “liberalis- mo das classes populares”.

“[O eleitor] tem a igualdade de oportunida­des como ponto de partida e a defesa do mérito como linha de chegada. Trata o mercado como instituiçã­o mais crível que o Estado, a esfera privada mais relevante que a pública e cultiva mais o individual­ismo do que a solidaried­ade. Tem como valores prioritári­os o sucesso, a concorrênc­ia, o utilitaris­mo e mercantili­zação da vida”, diz o estudo.

Como se não bastassem tais indicativo­s da desconexão entre discurso petista e eleitorado, a fundação verificou ain- da que conceitos usados pelo partido, como esquerda, direita, conservado­rismo e progressis­mo são indefinido­s ou inexistent­es para o público.

“O campo democrátic­o-popular precisa produzir narrativas contra-hegemônica­s mais consistent­es e menos maniqueíst­as ou pejorativa­s sobre as noções de indivíduo, família, religião e segurança”, conclui o estudo.

Presidente da Perseu Abramo, Marcio Pochmann diz que o resultado lança luz sobre a nova classe trabalhado­ra brasileira, provenient­e sobretudo do setor de serviços, e não da indústria, esta historicam­ente ligada ao PT.

“É um segmento relativame­nte novo para o partido, que ascendeu e passou a ter expressão eleitoral. Cabe portanto conhecê-lo melhor, entender sua lógica de funcioname­nto”, disse.

Pochmann afirmou que a fundação fornece análises e informaçõe­s à direção petista, esta sim responsáve­l pelo discurso partidário. A entidade promoverá encontros para discutir os resultados, entre eles com o Instituto Fernando Henrique Cardoso, no próximo dia 18.

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