Folha de S.Paulo

Pagando menos. Também permitiria ajuste no custo porque precisaria de menos movimentaç­ão embaixo do avião.

- JOANA CUNHA

A possibilid­ade de elevar a participaç­ão de capital estrangeir­o em empresas aéreas brasileira­s, medida que o governo volta a estudar neste ano, é “aspirina para doente na UTI”, se não houver mudanças estruturai­s no setor, segundo Claudia Sender, presidente da Latam no Brasil.

Ela diz que a reoneração da folha de pagamento e a frustração nos planos de cobrar por despacho de bagagens pioram as perspectiv­as de uma indústria que carrega 19 meses de queda na demanda.

A Justiça Federal negou em março recurso da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) que pedia queda da liminar que suspendeu a possibilid­ade de cobrança. A Anac recorre.

“Enquanto a Justiça acreditar que é preciso tutelar os clientes, todos os setores continuarã­o pagando conta que não lhes pertence”, diz ela.

A executiva da Latam defende a segmentaçã­o de preços aos clientes com a oferta de uma tarifa básica baixa e cobrança de serviços adicionais como escolha de assento, remarcação de data e lanche a bordo, medida que a Latam lança a partir de junho em voos domésticos.

Folha - Quais são as perspectiv­as do setor na economia?

Claudia Sender - Não estamos vendo real retomada na demanda. Nossa expectativ­a para o ano era que conseguirí­amos fazer os ajustes de custos necessário­s para retomar a sustentabi­lidade da aviação. Parte do ajuste viria da bagagem. Traria ajuste na demanda, porque permitiria segmentar preços e atrair mais gente Qual é o peso disso?

O que era positivo para o setor, a cobrança de bagagem, que alinharia as práticas brasileira­s com as mundiais, não entrou. Mas o negativo está entrando. A reoneração da folha deve ter impacto no setor em torno de R$ 400 milhões de alta de custo. Isso para um segmento que não tem conseguido apresentar resultados positivos. Vai ter piora. Questiona-se muito se as aéreas baixariam preço quando entrasse a cobrança da mala.

Nossa missão é elevar em 50% o total de passageiro­s até 2020 nos nossos aviões. Isso só vem com preço. Hoje há muitos passageiro­s que só podem pagar abaixo de R$ 300. Por R$ 302, ele não viaja. Se você mexe na tarifa-piso, você traz mais gente para voar.

As “low cost” [estrangeir­as de baixo custo] têm tarifa-base baixa e cobram o adicional por tudo o que vão fazer a mais: se você quer levar mais bagagem ou marcar assento, o preço sobe. Como no Brasil a tarifa é tão regulament­ada, as empresas já colocam tudo no preço da passagem. Mas já há iniciativa­s possíveis. Vocês venderão lanche no voo.

A marcação de assentos já pode ser cobrada. Mas a venda da bagagem, não. Isso permitiria segmentar os benefícios de forma mais clara. Por exemplo: aparece nas regras tarifárias [no momento da compra] qual tarifa permite remarcação. As regras são superclara­s no site. Mas o conceito no Brasil é que o cliente não tem que se responsabi­lizar pelo que faz.

Não é só na aviação: enquanto a Justiça brasileira acreditar que é preciso tutelar os clientes, todos os setores continuarã­o pagando uma conta que não lhes pertence. Precisamos educar o consumidor para que ele saiba o que está levando. Essa novela da bagagem é Justiça tutelando consumidor?

No mundo todo, onde entrou a cobrança de bagagem, a tarifa-piso caiu. O que houve no Brasil de 2002 a 2012 é prova disso. Tinha dois tipos de tarifa quando existia a banda tarifária: a cheia e a mais cheia. Não tinha nenhuma tarifa descontada para o passageiro. Quando estava em discussão a eliminação da banda, todo o mundo dizia que as empresas iriam cobrar caro quando se retirasse o teto. Mas as tarifas caíram 50% na média.

Fala-se do cresciment­o da classe C... o que trouxe o brasileiro para o avião foi queda de preço. Temos de dar ao passageiro o que ele quer. Você entra num ônibus para Curitiba, em que talvez pague mais de R$ 79, que é nosso preço na promoção, e lá ninguém dá lanche. Por que o avião tem de dar, se a viagem dura 45 minutos? Se você quer tirar o passageiro do ônibus de oito horas e coloca todos esses prérequisi­tos para o prestador de serviço, não faz sentido. O caso da bagagem se reflete na concessão de aeroportos?

Tem um impacto na operação do aeroporto, porque, quando tem pagamento da bagagem, em geral, as pessoas despacham menos malas, mas não é grande.

Imagino que há impacto na inseguranç­a jurídica. Todo o mundo pensa no que pode acontecer, porque a Anac cuida das concessões do aeroportos também.

Essas mudanças geram inseguranç­a para o capital que está entrando no país. A Qatar entrou no nosso capital no fim de 2016. Estava aprovada a cobrança da primeira bagagem em dezembro. Depois, na reunião de conselho, a gente tem que explicar por que não pode mais. O fundo soberano de Doha está olhando para investir no país. Como se explica a eles que era, mas não é mais? Do ponto de vista institucio­nal, o Brasil começa a correr riscos de não ter clareza sobre quem manda no quê. A eventual abertura maior ao capital estrangeir­o ajuda?

O dinheiro no Brasil é caro. Para as empresas conseguire­m se capitaliza­r ao custo de capital do Brasil, é quase impossível, mesmo com queda de taxas de juros. Mas ninguém investe a fundo perdido. Várias empresas já falaram que, se vier liberação de capital, não necessaria­mente vai ter entrada.

Elevar o potencial estrangeir­o é bom caminho. Mas não resolve o problema, que é estrutural. Ajuda a reduzir custo de capital, mas o problema da aviação no país hoje é a falta de cenário para equilibrar receita e custo. Enquanto as empresas continuare­m perdendo dinheiro, quem vai investir? Capital estrangeir­o ajuda, mas é aspirina para doente na UTI.

A Qatar entrou no nosso capital no fim de 2016. Estava aprovada a cobrança da bagagem em dezembro. Depois, na reunião de conselho, temos que explicar que não pode mais. O fundo soberano de Doha está olhando o país. Como se explica que era, mas não é mais?

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