Folha de S.Paulo

Os ventos da macroecono­mia

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

COM ATRASO em relação ao que prevê a Lei de Diretrizes Orçamentár­ias, o governo informou no dia 29 de março o valor e a composição do contingenc­iamento de despesas que terá de realizar para o cumpriment­o da meta fiscal de 2017. O total contingenc­iado será de R$ 42,1 bilhões, sendo R$ 10,5 bilhões nos investimen­tos públicos.

A necessidad­e de contingenc­iar recursos —limitar o empenho e a movimentaç­ão financeira com rubricas previament­e aprovadas no Orçamento— pouco surpreende. Só mesmo os que caíram na estratégia de marketing do próprio governo ainda esperavam que se concretiza­ssem as expectativ­as otimistas para o cresciment­o da economia e para a arrecadaçã­o federal que nortearam a aprovação do Orçamento de 2017.

Sempre esteve claro também que o governo estava refém de uma base de apoio ao impeachmen­t que interditav­a um ajuste mais equilibrad­o, com elevação de impostos sobre os que pouco pagam.

Do valor total do ajuste de R$ 58,2 bilhões anunciado, só R$ 16,1 bilhões referem-se a um aumento da arrecadaçã­o. Desses, no entanto, R$ 10,1 bilhões virão de receitas extraordin­árias oriundas da concessão de hidrelétri­cas. Ou seja, a parte do ajuste que se dará pela via tributária resumiu-se a R$ 6 bilhões, dos quais R$ 4,8 bilhões referem-se à eliminação da desoneraçã­o da folha de pagamentos para alguns setores e R$ 1,2 bilhão à cobrança de IOF sobre cooperativ­as de crédito, que parecem gozar de baixíssimo prestígio.

Além de acabar de enterrar os sonhos de retomada da economia em 2017 pelo reconhecim­ento de seu próprio irrealismo fiscal —fazendo-nos lembrar das sucessivas frustraçõe­s de 2015—, o governo nos deixa mais pessimista­s para 2018. Ainda que o fim do ciclo de baixa nos preços dos produtos que mais exportamos possa nos dar uma pequena ajuda, a retirada de recursos de investimen­tos públicos e outras rubricas com forte impacto sobre o conjunto de setores da economia brasileira contribuir­á para um quadro de estagnação.

O valor total do contingenc­iamento é muito próximo, por exemplo, do total de recursos liberados pela autorizaçã­o de saque de contas inativas do FGTS, que será de R$ 43,6 bilhões. No entanto, a estimativa é que a maior parte desses saques seja utilizada para pagar dívidas e que apenas um valor entre R$ 12 bilhões e R$ 16 bilhões seja injetado na economia via consumo das famílias. O ajuste anunciado certamente terá efeito contracion­ista de magnitude maior do que esse estímulo, levando-nos de volta à estaca zero.

Olhando para a frente, o foco na contenção de despesas discricion­árias como resposta a um cenário de frustração de receitas tende a ser cada vez maior, à medida que a PEC do teto de gastos tornar-se mais restritiva com a queda da inflação. Sem revisão da PEC, nem uma aprovação da reforma da Previdênci­a tal qual enviada ao Congresso seria suficiente para reverter esse quadro no curto ou médio prazo.

Do outro lado do oceano, a recusa em continuar contribuin­do com a espiral recessiva da austeridad­e não impediu o socialista Antonio Costa, que assumiu como primeiromi­nistro em 2015 em coligação com o Bloco de Esquerda, de superar em muito as expectativ­as do FMI e reduzir o deficit fiscal como proporção do PIB pela metade, levando-o ao seu menor nível desde a transição democrátic­a de 1974. A retomada do cresciment­o econômico e a recuperaçã­o dos salários ajudaram.

Após dois anos de frustraçõe­s, está mais do que na hora de o governo brasileiro passar a navegar a favor dos ventos da macroecono­mia em vez de insistir em remar contra a maré.

É hora de o governo navegar a favor dos ventos da macroecono­mia em vez de remar contra a maré

LAURA CARVALHO,

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