Bossa, ainda nova, aos 55
Erros marcaram a noite de música brasileira em Nova York, mas gigantes do jazz prestigiaram a apresentação
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O mundo não tinha visto João Gilberto cantar. Jornalistas e músicos foram para ver essa gente pela primeira vez. Jackie Kennedy foi assistir. Por isso que a bossa nova é hoje estudada no mundo inteiro e jovens fazem música pop na qual se pode sentir a influência da bossa nova
O concerto de músicos brasileiros de bossa nova no Carnegie Hall, em Nova York, marcou a data da apresentação oficial do gênero ao público americano —e sua consequente divulgação em outros países. Mas a noite de 21 de novembro de 1962 não foi exatamente um espetáculo irretocável. Bem longe disso.
No Brasil, o anúncio do show não despertou expectativas. Tom Jobim, que já tinha começado a pavimentar sua estrada no mercado americano, foi convencido no último momento a participar. Algumas pessoas torciam o nariz porque o pianista João Donato não estava na trupe.
Quem teve a ideia do concerto foi o americano Sidney Frey, nome por trás da gravadora Audio Fidelity. Além de conhecer as músicas de Tom e de Luiz Bonfá para o filme “Orfeu do Carnaval” (1959), ele esteve no Rio e travou contato com a cena do Beco das Garrafas, no Rio. A trilha boêmia já era a bossa nova. ITAMARATY A primeira intenção dele era promover um show com Tom e João Gilberto, mas depois veio a decisão de levar mais gente. Frey conseguiu algum apoio do Itamaraty, que contribuiu para a viagem dos músicos e, em troca, distribuiu café brasileiro no Carnegie Hall, templo de Nova York que acolheu o evento.
Depois, quando as parcas notícias sobre a noite publicadas na imprensa brasileira não reportavam exatamente um sucesso estrondoso, o Ministério das Relações Exteriores divulgou nota afirmando não estar ligado oficialmente ao concerto.
Não há muitos registros sobre o que aconteceu no palco do Carnegie Hall. Somente alguns minutos soltos de filmagem e um disco, lançado pela última vez em 2000, que não traz performances de todos os artistas presentes.
Se dependesse apenas do show daquela noite, certamente a penetração da bossa nova nos Estados Unidos se- ria menor. Alguns momentos consagradores se misturaram a episódios de erros e confusão no palco. Dias depois, um apresentação mais intimista, também em Nova York, e outra em Washington tiveram uma recepção muito melhor.
Além de Tom, João Gilberto e Luiz Bonfá, que começavam a ser conhecidos pelos americanos, o show teve o Oscar Castro Neves Quarteto, Sérgio Mendes, Roberto Menescal, Carlos Lyra, Chico Feitosa, Milton Banana, Sérgio Ricardo, Normando Santos, Dom Um Romão, Agostinho dos Santos, Carmen Santos, Bola Sete e Ana Lúcia.
Na plateia de 3.000 pessoas estavam pesos-pesados do jazz, como Dizzy Gillespie, Miles Davis, Gerry Mulligan, Tony Bennett, Cannonball Adderley, Herbie Mann e The Modern Jazz Quartet. Tom, cada vez comentado na comunidade musical, era o ímã para essas estrelas.
Os problemas apareceram logo. O espaço amplo do Carnegie Hall era quase sempre utilizado por show de grande volume sonoro. O público era barulhento, sem preocupação de se posicionar nas cadeiras para o início do show. MICROFONES A produção da casa, sem intimidade com o gênero, colocou muitos microfones espalhados pelo palco, 11 no total. Com sua economia de instrumentação e vocação para interpretações acanhadas, a bossa nova sofreu com ruídos e reverberação excessiva.
Normando Santos cantou com microfone desligado, Menescal se atrapalhou com a letra de “O Barquinho”. Até Tom pediu para recomeçar “Corcovado”, embora esse deslize não tenha impedido uma atuação arrebatadora.
A revista “The New Yorker” pegou pesado, numa matéria com o título “Bossa, Go Home”. John S. Wilson, crítico do jornal “The New York Times”, atacou a floresta de microfones, numa amplificação que teria deixado tudo monótono. Para ele, os cantores tinham pouco a oferecer, exceto Gilberto e Bonfá
Masdoismomentosencantaram por unanimidade: Tom, com “Samba de Uma Nota Só”, e João Gilberto, que aguardou silêncio absoluto para cantar “Samba da Minha Terra”. (THALES DE MENEZES)
OMAR MARZAGÃO
empresário que organiza reedição comemorativa dos 55 anos do concerto no Carnegie Hall