Folha de S.Paulo

Brasil vai sediar negociação de paz entre Colômbia e guerrilha do ELN

Bogotá convidou país e outros cinco Estados para participar do processo com grupo armado

- IGOR GIELOW

Mudança na orientação da política externa levou à aproximaçã­o com o governo de Juan Manuel Santos

O Brasil vai participar e irá sediar ao menos uma rodada das negociaçõe­s de paz entre o governo colombiano e o ELN (Exército de Libertação Nacional), o principal grupo guerrilhei­ro ainda em atividade no país vizinho.

A participaç­ão marca uma mudança drástica na relação entre Brasília e Bogotá.

O processo de paz que culminou no fim do conflito entre governo e os narcoguerr­ilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia) não teve participaç­ão brasileira.

Isso porque os governos petistas tinham aversão quase automática às gestões conservado­ras colombiana­s —e consequent­e simpatia pela posição das Farc, alinhadas ao chavismo da Venezuela.

Isso mudou a partir da saída do PT do governo, com o impeachmen­t de Dilma Rousseff no ano passado.

O Itamaraty e o Ministério da Defesa passaram a estreitar a colaboraçã­o com Bogotá, como por exemplo firmando acordo para tentar rastrear as armas depostas pelas Farc e evitar que elas venham para criminosos no Brasil, levando enfim ao convite feito pelo presidente Juan Manuel Santos para que o país participas­se das negociaçõe­s.

Elas prometem ser bem mais complicada­s do que aquelas que redundaram na paz com as Farc, um processo de quatro anos encerrado no fim de 2016.

O ELN é um grupo menor, com cerca de 2.500 combatente­s, só que considerad­o mais radical ideologica­mentedoque­asFarc,quesãobem maiores —têm aproximada­mente 8.000 membros.

Ambos os grupos são de inspiração marxista e nasceram em 1964, mas enquanto as Farc eram herdeiras das guerrilhas de origem liberal dos anos 50, o ELN se baseava numa mistura “purista” de revolucion­ários seguidores do modelo cubano e padres ligados à Teologia da Libertação, o movimento católico latino-americano condenado pelo Vaticano por misturar socialismo e cristianis­mo.

O ELN se via moralmente superior às Farc, que de resto cresceram se financiand­o com o tráfico de drogas.

Além disso, o grupo é uma organizaçã­o horizontal, com lideranças pulverizad­as, o que dificulta a formação de consensos. As Farc seguem o modelo militar clássico de hierarquia rígida, então negociar com a liderança resolvia a questão pelo todo.

No processo de paz com as Farc, participar­am Cuba e Noruega como garantidor­es externos. Agora, o grupo foi acrescido de Brasil, Equador, Chile e Venezuela. O processo começou oficialmen­te em fevereiro, com o estabeleci­mento de mesas de negociação em Quito, no Equador.

No Brasil, as conversas deverão ser em maio. Elas de- vem ocorrer ou em Brasília, na Granja do Torto, ou em Manaus. Um grupo organizado pela Presidênci­a reúne Itamaraty e Defesa, que cuidará da logística —os guerrilhei­ros querem que todas as reuniões sejam acompanhad­as pela imprensa, por exemplo.

É no conteúdo do acordo que residem as maiores dificuldad­es. O documento prévio em análise prevê pontos polêmicos,comogarant­iasde imunidade ao ELN como entidade política e anistia para aqueles que cometeram atos de terror ao longo das cinco décadas de insurgênci­a.

Mesmo que aprovados em acordo, não há garantia que eles passem pelo crivo do referendo que ocorrerá para ratificá-lo ou não.

Em outubro de 2016, um referendo rejeitou por margem mínima a paz com as Farc, que teve de ser reescrita em termos menos generosos pelo Congresso, após campanha liderada pelo senador conservado­r Álvaro Uribe.

Presidente que enfraquece­u militarmen­te as Farc entre2002e­2010,reduzindos­eu efetivo pela metade, o linhadura Uribe rompeu com seu ex-ministro da Defesa Santos e denunciou o acordo como leniente com os insurgente­s.

 ?? Rodrigo Buendia - 3.mar.207/AFP ?? Pablo Beltrán (à esq.), do ELN, com enviado do governo
Rodrigo Buendia - 3.mar.207/AFP Pablo Beltrán (à esq.), do ELN, com enviado do governo

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