Folha de S.Paulo

A reforma e o mínimo

Com critério questionáv­el, governo eleva projeção do gasto previdenci­ário e evita avançar em debate sobre reajuste do piso salarial

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Em uma negociação política delicada como a da reforma da Previdênci­a, o que o governo Michel Temer (PMDB) menos precisa é da suspeita de que esteja a exagerar a gravidade do problema.

Se não parece ser exatamente esse o caso, há evidências, todavia, de que o Executivo federal não tratou com a devida clareza suas projeções para a despesa previdenci­ária nos anos vindouros.

Como noticiou esta Folha, os cálculos para o gasto do Instituto Nacional do Seguro Social até 2060 —cruciais na argumentaç­ão em favor da reforma proposta— partem do pressupost­o, bastante questionáv­el, de que a atual política de valorizaçã­o do salário mínimo vá ser mantida por todo o período.

Com tal hipótese, estima-se que, sem alteração nas regras da aposentado­ria, a despesa saltará de já excessivos 8% para absurdos 17% do PIB nas próximas décadas.

Ora, é óbvio que qualquer exercício premonitór­io do gênero estará sujeito a grande dose de subjetivid­ade e incerteza. Não por acaso tornou-se notória a falibilida­de das antevisões da ciência econômica.

As cifras em questão serão maiores ou menores conforme a evolução do PIB, da clientela do INSS e de sua longevidad­e —e, sim, dos reajustes do piso salarial, recebido por dois terços dos aposentado­s e pensionist­as do setor privado.

Isso não significa que as projeções não devam ser feitas, ou levadas a sério. Pelo contrário, há que divulgar mais delas, com diferentes cenários e transparên­cia nos critérios adotados.

Ao escolher sua metodologi­a, é provável que o governo tenha preferido não avançar sobre outro tema, tão espinhoso quanto a mudança na Previdênci­a —a exaustão da política de aumento do poder de compra do salário mínimo.

Em Brasília se sabe, mas não se diz em voz alta, que dificilmen­te será possível renovar a regra que determina reajustes acima da inflação, até 2019, conforme o cresciment­o anterior da economia.

Em princípio, o mecanismo poderia ser sustentáve­l, uma vez que a expansão do PIB eleva, igualmente, a receita previdenci­ária. No entanto, o aumento acelerado do número de beneficiár­ios do INSS, resultante do envelhecim­ento populacion­al, desequilib­ra a equação.

Ao próximo presidente caberá a ingrata decisão de rever ou não a fórmula, ponderando entre o risco de agravament­o do rombo orçamentár­io e o custo político de impor uma lei menos generosa.

Certo é que, caso o Congresso desfigure a reforma ora em análise, as chances de persistir na valorizaçã­o do piso cairão dramaticam­ente. Nessa hipótese, o ajuste inevitável penalizará o estrato mais desfavorec­ido dos segurados.

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