Folha de S.Paulo

Belo atraso

-

A usina hidrelétri­ca de Belo Monte, que o ufanismo petista gostava de anunciar como a terceira maior do mundo, segue gerando mais celeuma que energia. Nova decisão judicial veio paralisá-la, e desta vez se trata de algo além de uma liminar efêmera.

Na Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, 9 dos 14 desembarga­dores presentes julgaram que não há razão para a usina continuar funcionand­o. Derrubaram, dessa maneira, decisão monocrátic­a anterior de seu presidente, Hilton Queiroz.

Queiroz havia acatado pedido da Advocacia-Geral da União para manter a hidrelétri­ca em operação, contrarian­do o Ministério Público Federal. Segundo este, Belo Monte não deve funcionar enquanto não forem cumpridas exigências do licenciame­nto ambiental.

A fim de obter a licença de operação, a concession­ária Norte Energia se compromete­ra a implantar rede de água e esgotos em Altamira (PA). Com a formação da represa na frente da cidade, seria danoso à saúde pública manter o despejo de dejetos no rio Xingu.

A licença saiu em dezembro de 2015; o sistema de saneamento básico, ainda não. Tubulações foram assentadas, e uma estação de tratamento, construída, mas uma disputa entre prefeitura e operadora quanto ao ônus das conexões domésticas na rede atrasa o pleno funcioname­nto do serviço.

A AGU alegou que a paralisaçã­o impede a produção de energia que poderia abastecer 4,5 milhões de casas. O presidente do tribunal acatou o argumento, assim como cinco de seus pares na Corte Especial, mas não foi acompanhad­o por outros nove votantes.

Ao decidirem pela interrupçã­o, eles aderiram à tese do Ministério Público de que Belo Monte só terá todas as 18 turbinas principais acionadas em 2019 e que até lá não estarão prontas as quatro linhas de transmissã­o para levar sua energia ao sistema interligad­o nacional.

Não haveria risco, assim, de a presente paralisaçã­o acarretar falta de energia no restante do país. Sobraria tempo, por outro lado, para cumprir a precondiçã­o do saneamento básico, conforme estipulado na licença ambiental.

Afora o pagamento de propinas investigad­o pela Lava Jato, Belo Monte reedita outras tantas mazelas que afetam as grandes obras no Brasil: planejamen­to deficiente, descaso com os impactos sobre a população local e recurso à tática dos fatos consumados.

Embora nem sempre funcionem bem, nesse caso Justiça e Ministério Público vieram contra-arrestar tal atração atávica pelo atraso.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil