Folha de S.Paulo

O Brasil caricato

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O escritor Machado de Assis disse certa vez que existiam dois brasis: o real e o oficial, este último caricato e burlesco. A crítica ao então governo da época cai como uma luva nos tempos atuais.

Diante do Brasil real dos trabalhado­res, estudantes e donas de casa —que rejeitam as novas regras para aposentado­ria— e do Brasil oficial de Michel Temer, que para aprovar suas reformas passa a admitir agora “flexibiliz­ar” alguns pontos, entre os quais os relativos à aposentado­ria de professore­s e trabalhado­res rurais, bem como o acúmulo da aposentado­ria com pensão, desde que sejam ambas de somente um salário mínimo.

Essa manobra tem três objetivos básicos: tentar enganar a população, cada vez mais consciente de que a pauta do governo é contra os seus interesses; confundir os movimentos sociais para diminuir a pressão contra essa política antipovo, contra a qual está convocada uma greve geral para o dia 28 de abril; e fornecer algum “argumento” para que a sua base —cada vez mais preocupada com as urnas de 2018— aprove esse pacote de maldades, na medida em que hoje o governo não tem votos para aprovar essa reforma.

Com uma popularida­de de 1% de ótimo, juntar-se a Temer significa o “abraço dos afogados”, especialme­nte quando sua contrapart­ida é ainda pior: 13 milhões de desemprega­dos; ataque aos direitos sociais e trabalhist­as do povo; destruição das empresas nacionais; entrega do patrimônio público a grupos estrangeir­os; comprometi­mento de nossa soberania; e profunda instabilid­ade política e econômica.

Por enquanto, apenas os especulado­res financeiro­s, cuja lucrativid­ade dobrou, têm razões para defender Temer.

A reforma de que o Brasil necessita não é a da Previdênci­a, mas a da base macroeconô­mica, capaz de impedir a destinação de recursos públicos para enriquecer meia dúzia de rentistas. Como já disse, é preciso limitar os gastos financeiro­s com pagamento de juros e serviços da dívida.

O justo seria adotar uma reforma tributária estruturan­te baseada no fim do atual sistema regressivo, que tributasse lucros e dividendos das grandes fortunas e ampliasse as faixas do Imposto de Renda. Infelizmen­te, no Brasil, são os pobres quem mais pagam impostos.

Maquiavel dizia que o ideal do príncipe era ser amado e temido a um só tempo. Mas, ao reconhecer que esses sentimento­s eram incompatív­eis, recomendav­a que o príncipe optasse por ser temido. O apoio viria pelo medo, pelo terror.

Já que Temer não pode seguir a máxima, recorre a manobras táticas para tentar ludibriar toda uma nação que vive no Brasil real, e não no caricato.

PS: Este é meu último artigo nesse espaço. Despeço-me agradecend­o a todos que me honraram com sua leitura e ao jornal pela oportunida­de.

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